Toda a ideia de uma sequência já envolve uma problematização. Mesmo que algumas ainda tenham boas histórias para contar e transformar a obra original em uma franquia, a grande maioria das continuações são puramente baseadas apenas no lucro. Dessa forma, sua própria existência é questionada e raramente será superior ao anterior. Além disso, um hiato de 10 anos pode enfraquecer ainda mais o poder de uma sequência, afinal, retira o filme de uma época em que sua trama estava em alta, para apresentá-lo a um novo público, em um novo contexto, em que aquela história pode não fazer mais tanto sentido assim.
Ainda que zumbis desde sempre tenham seu espaço na cultura pop de um modo geral, ‘Zumbilândia’ trouxe uma proposta irônica, irreverente e uma comédia equilibrada com o horror meses antes da chegada de ‘The Walking Dead’ na TV, ou seja, período fértil em que os mortos-vivos retornaram de suas sepulturas com vigor. Todo esse diferencial fazia total sentido lá em 2009, mas e agora, em 2019, será que ainda há alguma relevância? Ainda mais após o desgaste de TWD e a falta de filmes com essa temática nos cinemas? A resposta curiosamente é sim. Mesmo que o novo roteiro caia em convenções do gênero e algumas inevitáveis repetições narrativas, há um encantamento único na franquia que a permite sobreviver por longos períodos. Seja pelo humor pontual ou pela direção excepcional de Ruben Fleischer (Venom), ainda há fôlego.
Desde ‘Todo Mundo Quase Morto’, filme excelente do diretor Edgar Wright (Em Ritmo de Fuga), lançado em 2004, não havia uma história tão divertida com zumbis até a chegada de ‘Zumbilândia’, que certamente bebe na fonte do filme de Wright. Ambos pesam mais para o humor e a ação do que pelo horror de ter que sobreviver ao apocalipse, sendo esse diferencial, o combustível que mantém a trama relevante, já que rir de si mesmo é o melhor remédio. Nesse retorno, muita coisa continua a mesma nos EUA, apenas alguns zumbis que evoluíram para se tornarem mais resistentes, como os novos Homer, Ninja e os assustadores T-800, nomes dados por Columbus (Jesse Eisenberg) para diferenciá-los. O grupo formado por ele, junto com Tallahassee (Woody Harrelson), Wichita (Emma Stone) e Little Rock (Abigail Breslin) se mantém firme e forte como se tivesse passado apenas uma semana após os eventos do primeiro filme. Aliás, essa sensação de tempo não é bem estabelecida, tanto que repetições na trama fazem pensar, “mas nossa, levou tanto tempo para fazerem isso só agora?” em algumas situações. A estrutura narrativa dos dois filmes são praticamente a mesma.
Após algumas desavenças internas, o grupo novamente se divide (sabe o que falei sobre as repetições?) e precisam lidar com novas ameaças e uma jornada para resgatar Little Rock, que desaparece. A premissa inicial é bem básica e a força do filme está mesmo no humor ácido, que faz referencias à outras obras, e na técnica de direção de Fleischer, ainda mais rebuscada que antes. Há espaço para que o diretor possa ousar, com estilosos planos em câmera lenta e falsos planos sequência, aliás, as cenas de ação são de tirar o fôlego e conduzidas com maestria pelo diretor. Tanto o ritmo da montagem, quanto os outros elementos técnicos, como a fotografia e os efeitos especiais, seguem de acordo com a proposta do original e mantém uma coerência dentro da estética “cool”, tornando ambos os filmes bem similares, mesmo sendo de épocas diferentes. Por um lado, é bom, mas também tem seus defeitos, a meu ver, se estabelece uma sensação de que o roteiro tenha sido feito com a maturidade de 10 anos atrás no quesito “piadas sem graça”, já que poucos, realmente são rebuscadas.
Entre todas as subtramas, há uma nova personagem vivida pela atriz Zoey Deutch (Antes que Eu Vá) que é a pura e clichê personificação da “loira burra”. Apesar da boa atuação da atriz e de entregar momentos divertidos, mesmo as piadas com a personagem sendo plenamente infantis, os tempos são outros e esse tipo de abordagem não se encaixam mais como talvez um dia tenha funcionado. Ainda assim, o restante do elenco entrega o seu melhor. Eisenberg faz sempre o mesmo papel de bobão, mas aqui funciona, Stone tem um destaque menor dessa vez, levando em consideração que a atriz já ganhou um Oscar (por ‘La La Land’) entre um filme e outro, Breslin também perde destaque e aparece bem menos que antes, inclusive, sua personagem poderia ser facilmente descartada dessa trama, e Harrelson, carismático, rouba a cena, mesmo com uma atuação um tanto quanto exagerada em certos momentos.
Dessa maneira, com algumas surpresas e uma cena pós-créditos hilária, talvez o momento mais genuinamente divertido do filme, ‘Zumbilândia 2: Atire Duas Vezes’ consegue o feito de atualizar sua fórmula, se manter relevante após tantos anos e ainda contar uma história melhor e mais insana que a do original. Apesar de algumas eventuais repetições no roteiro, a diversão é garantida.