Neste drama francês de suspense com elementos de slasher movie, Anne (vivida pela talentosa Vanessa Paradis) é uma produtora de filmes pornográficos que, além de estar passando por uma fase complicada após o término de seu relacionamento com a amiga e montadora Loïs (Kate Moran), ainda vê seu trabalho ir de mal a pior, no entanto, o aparecimento de um misterioso serial killer especialista em matar atores pornôs reacende sua criatividade para criar histórias sádicas e salvar seu trabalho, mesmo que alguns amigos próximos possam vir a morrer no processo.
Estranho. Nenhuma outra palavra melhor descreve o longa dirigido por Yann Gonzalez. Mas, uma estranheza interessante e curiosa ao mesmo tempo que consegue ser sexy e ousada. Desde a direção de arte e figurinos, que nos levam totalmente aos anos 70, até a fotografia neon, que fica entre o azul e o vermelho, o longa é uma grande homenagem aos clássicos de terror de diretores como Dario Argento (Suspiria) e Lucio Fulci (O Estripador de Nova York), afinal, as referências na mise-en-scène são visíveis e muito bem elaboradas dentro da trama, ressaltadas pela trilha sonora sintética, também típica dessas obras cultuadas.
O roteiro navega entre o macabro e sensual, equilibrando as sensações e deixando quase como um “filme fetiche” de tanto que se aprofunda na indústria pornográfica gay e suas peculiaridades, que eram (e ainda são!) fantasias da época. A direção acerta em planos elaborados, como os que seguem os personagens por trás e também o excesso de zoom, convenções típicas de filmes da ocasião e que funcionam bem dentro da proposta old school do diretor.
Já no suspense, o longa até consegue intrigar na primeira metade, mas não entrega bons momentos de pavor, o que deixa as cenas violentas e sangrentas muito mais belas e bem filmadas do que trágicas de fato. Sem contar que o ritmo cai no segundo ato, quando a trama assume um tom mais investigativo e se distância da boa e peculiar narrativa experimental que se iniciou, porém, se torna mais artística ao mesclar preto e branco e efeito negativo com as cenas coloridas.
Apesar disso, o acerto triunfal vem mesmo é da exploração da cultura LGBTQ+, desde os cinemas pornôs da época até as roupas características, lidando com assuntos cruciais como preconceito dos homens gays cisgêneros com mulheres transexuais, falta de aceitação na família e um abusivo relacionamento lésbico com a protagonista. Todo o meio gay é acolhedor e familiar, tratado de forma naturalista pelo roteiro e com personagens fortes e aprofundados, que enfrentam preconceitos diários e lutam pelos seus direitos dentro de uma sociedade retrógrada. Realmente um espetáculo de representatividade.
No fim das contas, ‘Faca no Coração’ (Un Couteau Dans le Coeur) se destaca pela ousada trama sensual e se aventura no suspense sem medo de replicar clichês de filmes de outras épocas. Intrigante e fúnebre, uma daquelas experiências singulares que o cinema nos proporciona.