Tron sempre foi uma franquia à frente do seu tempo e, ironicamente, é justamente isso que a impediu de encontrar o seu público. A saga, rica em conceito e identidade visual, nunca conseguiu se firmar como um sucesso de massa para a Disney, permanecendo como uma joia de nicho da ficção científica, um clássico cult vanguardista que funciona muito bem até hoje, mais de 40 anos depois.
O primeiro filme, Uma Odisseia Eletrônica, lançado em 1982, imaginou o universo digital antes mesmo da popularização da internet, surfando na onda dos videogames e antecipando discussões que só viriam décadas depois. Em 2010, Tron: O Legado aprofundou a relação da família Flynn e mostrou uma atualização visual e temática condizente com a nova era tecnológica. Já Tron: Ares, o terceiro capítulo, chega agora em 2025 parecendo deslocado no tempo, preso a um discurso já exaurido sobre o uso de inteligência artificial e incapaz de trazer frescor a esse debate.
Ignorando quase completamente O Legado e buscando se apoiar no espírito oitentista do original, Tron: Ares acaba preso em uma trama embolada, previsível e sem fôlego para surpreender. O resultado é um espetáculo visual tecnicamente competente, mas que soa genérico, insosso e sem alma, como um prato requentado que aposta mais na aparência do que no sabor.
Índice
Os acertos e erros de Tron: Ares

É curioso perceber como algo que já foi sinônimo de vanguarda hoje tão soa datado, mesmo quando trabalha com uma temática contemporânea. Em um mundo em que a tecnologia avança em ritmo vertiginoso, é difícil imaginar como Tron poderia continuar à frente do seu tempo. O roteiro até tenta ancorar Tron: Ares no presente, evitando projetar um futuro distante e incerto, mas falha justamente no que fez a franquia se destacar: o exercício imaginativo do “e se…”.
Aqui, acompanhamos a rivalidade entre duas gigantes da tecnologia e uma inteligência artificial que adquire consciência e deseja se tornar humana. É uma trama que já vimos inúmeras vezes em outras histórias e, infelizmente, sem qualquer frescor ou ousadia nesse diálogo entre homem e máquina. Ares tenta estabelecer um elo entre a tecnologia atual e a visão futurista do filme original, mas o faz de maneira rasa e burocrática, como uma homenagem protocolar aos seus antecessores.
Até aí, tudo bem. O problema maior surge quando a narrativa se torna excessivamente expositiva: os personagens parecem ter um manual pronto, despejando informações mastigadas a cada cena, sem espaço para sutilezas ou descobertas por parte do público. Claro que rever os cenários e referências de 1982 pode até agradar os fãs mais nostálgicos, mas essa reverência, desprovida de significado real, acaba soando oca, um aceno vazio a um passado que merecia mais do que simples fan service com Jared Leto sendo uma IA de rostinho bonito e sentimentos fofos.

E por falar nele, Leto está… adequado. Seu rosto praticamente imóvel encontra aqui um papel feito sob medida para sua falta de expressão. A estética futurista e cyberpunk de Tron: Ares combina com sua persona rock ‘n’ roll, tornando sua atuação o menor dos problemas.
Greta Lee, por sua vez, assume o protagonismo como a humana Eve Kim, mas entrega uma performance sem muito brilho, enquanto Evan Peters claramente se diverte muito mais: encarna com gosto um vilão à la 007, um CEO megalomaníaco, insuportável e símbolo perfeito de uma geração moldada pelo privilégio tecnológico.
Em termos narrativos, o roteiro e a direção de Joachim Rønning (A Aventura de Kon-Tiki) é feijão com arroz purinho: tudo esperado, sem inventividade. Kevin Flynn (Jeff Bridges) retorna de forma mais contida – e, felizmente, sem o rejuvenescimento digital pavoroso que marcou O Legado. Seu papel é pequeno e discreto, mas serve como um elo afetivo com o passado da franquia, nos fazendo lembrar de um tempo em que Tron realmente significava alguma coisa.

O problema é que os conflitos apresentados são tão burocráticos que fica difícil se envolver emocionalmente com essa história. No fim, o que resta apreciar são as duas verdadeiras estrelas da obra: os efeitos visuais deslumbrantes, potencializados pela tela IMAX, e a trilha eletropop dark e poderosa que o Nine Inch Nails entrega. As canções insanas e épicas criam uma atmosfera imersiva que consegue contornar alguns problemas e até nos divertir nas sequências de ação eletrizantes, dessa vez fora do “digimundo”.
O final de O Legado, com Quorra (vivida por Olivia Wilde) atravessando a fronteira entre o The Grid e o mundo real, deixava um terreno fértil para um terceiro capítulo que nunca veio aí. Havia uma ideia clara e promissora a ser explorada. No entanto, o que recebemos foi um filme completamente fora da curva: obcecado por IA, distante de seu próprio passado e, pior, parecendo sentir vergonha do que veio antes ao ignorar quase tudo do antecessor.
O golpe final vem com o desfecho óbvio e a cena pós-créditos tosca, que deixam claro que a história ainda está longe de descansar. Mas a grande pergunta é: Tron ainda tem fôlego para alcançar o futuro que sempre perseguiu? Talvez um capítulo espacial, uma guerra entre o mundo real e o digital… possibilidades não faltam. O problema é que, com tantas pontas soltas e uma obsessão em prolongar a saga, a Disney corre o risco de esvaziar completamente a força desse universo. E, na prática, isso já está acontecendo. A franquia agora é refém de si mesma.

Veredito
Bom, para uma franquia que sempre esteve à frente de seu tempo, Tron: Ares representa um infeliz passo atrás. O filme tropeça justamente ao tentar dialogar com o presente, recorrendo a um debate já saturado sobre inteligência artificial e apresentando uma trama que mais parece um emaranhado de fios desconectados.
Apesar do visual cyberpunk impecável e da trilha sonora grandiosa, não há nada realmente novo a ser descoberto, apenas momentos pontuais de diversão nas sequências de ação e olhe lá. Tron: Ares até tenta homenagear o clássico de 1982 enquanto ignora quase completamente O Legado, numa tentativa forçada de reiniciar uma saga que se tornou refém do próprio futuro que sempre quis alcançar.
Não chega a ser uma cópia barata, mas transmite a mesma sensação de jogar com um controle desligado: a ilusão de participação sem qualquer impacto real. Falta propósito, falta história e sobra apenas estética cool. E, ironicamente, a franquia que um dia antecipou o amanhã agora parece incapaz de acompanhar o presente sem soar piegas.
NOTA: 6/10
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