Quando o primeiro — e ainda visionário — Invocação do Mal chegou aos cinemas, mais de uma década atrás, James Wan parecia guiado por dois impulsos complementares: homenagear o cinema de possessão e reinventar o terror dos anos 2010. Sua proposta era tão sincera quanto necessária. Hoje, depois de o gênero atravessar a era do chamado “pós-horror”, com títulos como Hereditário, Midsommar e A Bruxa redesenhando os limites do medo, é fácil acreditar que o chamado Invocaverso já não teria nada de novo a oferecer.
Mas essa impressão engana: por trás da aparência de franquia apenas lucrativa, há um espaço vital que esses filmes ainda ocupam — o do terror-popcorn, o blockbuster de gênero que conversa de frente com o grande público, mesmo quando não conquista o prestígio da crítica. Após a montanha-russa que marcou a trajetória dessa saga iniciada com a faísca criativa de Wan, chegou a hora de baixar as cortinas. A ironia é que o desfecho se mostra mais saboroso do que muitos dos capítulos intermediários.
Começar com um grande filme e encerrar com algo ao menos satisfatório já é um luxo raro em franquias longas, e Invocação do Mal 4: O Último Ritual consegue reunir as forças da série, corrigir tropeços e entregar a Michael Chaves a chance de, enfim, encontrar o tom de seu mestre. Tarde, mas não irrelevante. Entre ecos de antigos sustos e ecos de afeto, há um cuidado perceptível com os personagens que nos faz perdoar até os demônios mais esquecidos no armário.
Índice
Os acertos e erros de Invocação do Mal 4

Ambientado no auge dos anos 1980 (década que o audiovisual contemporâneo tanto insiste em ressuscitar com nostalgia estilizada), Invocação do Mal 4 encerra as aventuras de Ed e Lorraine Warren em um caso complexo e curioso, mas ainda refém da mesma fórmula que sustentou (e saturou!) a franquia.
Depois do desastroso terceiro capítulo, a saga retorna ao terreno seguro do “casa mal-assombrada”, explorando a angústia de uma família atormentada por três espíritos e um demônio com vínculos profundos com o passado dos Warren, em especial com o nascimento da filha Judy (agora interpreta pela ótima Mia Tomlinson).
Baseado em um caso real ocorrido na Pensilvânia, um dos mais enigmáticos já investigados pelo casal, o filme se ancora em uma história que, de fato, transformou a forma como eles encaravam o sobrenatural. O problema é que, já de início, o longa anuncia que “este foi o caso que mudou tudo”. A promessa é grande, mas a despedida é bastante tímida. Infelizmente o glamour hollywoodiano encobre a faceta mais amarga e melancólica do fim da trajetória dos Warren, o que soa como uma escolha compreensível, mas também como uma oportunidade desperdiçada.
O objeto maldito da vez — um espelho macabro, que faz uma boa alusão ao carma passado de geração — garante alguns bons sustos e serve como pretexto para aprofundar a relação dos protagonistas. Patrick Wilson e Vera Farmiga, novamente, sustentam o coração da franquia com carisma e intensidade, enquanto o roteiro distribui easter eggs que funcionam como presentes nostálgicos para os fãs mais fiéis. O resultado, porém, é um desfecho que prefere reverberar ecos conhecidos em vez de ousar um adeus verdadeiramente definitivo.

Embora James Wan tenha permanecido como uma sombra criativa sobre a franquia, assinando a história mesmo depois de abandonar a direção após os dois primeiros filmes, foi Michael Chaves quem assumiu o volante da série principal nos últimos anos. E não foi uma estrada fácil.
Ainda assim, a cada novo capítulo, seu olhar foi se refinando, e em Invocação do Mal 4: O Último Ritual isso finalmente se torna visível. Trata-se, sem dúvida, de sua condução mais competente até aqui, especialmente porque os sustos não dependem apenas do velho jump scare, mas da atmosfera de inquietação que realmente sustenta o terror.
Chaves segue emulando o estilo de seu mestre, mas, desta vez, consegue fazê-lo com alguma dignidade. Seu maior desafio, no entanto, ainda aparece quando o filme se apressa em direção a um clímax “épico”, sem ideias fortes o bastante para sustentá-lo.
Mesmo assim, o resultado é um horror sólido, que tira proveito da arquitetura dos cenários e da escuridão como aliados naturais do medo. Há, nesse equilíbrio, a atmosfera do primeiro Invocação do Mal e da ternura familiar do segundo, compondo uma síntese que poderia ter surgido antes, mas que, pelo menos aqui, encontra forma.

Apesar de um romance mal esboçado, há força na ideia da filha que “herda” o dom da mãe e precisa conviver com essa herança sombria. O filme brinca com reflexos e legados, ensaia uma passagem de bastão, mas recua diante da possibilidade de levar esse arco a consequências mais ousadas. A presença do casal Warren é menos dominante, embora, quando assumem o posto de exorcistas, a trama recupere parte do brilho dos melhores momentos da saga.
A estrutura narrativa, no entanto, é caótica: há personagens em excesso, alguns com relevância pontual, outros completamente esquecidos, o que enfraquece o conjunto. Além disso, pesa sobre o roteiro a obrigação de amarrar pontas soltas da franquia e, ao mesmo tempo, manter entreaberta uma porta para o futuro — operação que raramente funciona sem dispersar energia.
No meio desse labirinto, Chaves ainda tenta entregar um clímax grandioso o bastante para justificar o orçamento, mas o resultado soa mais pirotécnico que inspirado. O que permanece, de fato, é a química inabalável entre Wilson e Farmiga, talvez o único elemento que, de fato, vai deixar alguma saudade. Este último ritual é como uma casa mal-assombrada: já sabemos onde estão os rangidos, mas ainda sentimos o arrepio ao atravessar seus corredores, e isso basta.

Veredito
É realmente difícil acreditar que este seja, de fato, o último capítulo do Invocaverso, mas não há dúvida de que representa um desfecho satisfatório para o núcleo central dessa história — o coração e a alma de tudo. Há algo de comovente em assistir ao adeus de Ed e Lorraine Warren, embalado por Hollywood em tons de melancolia doce e quase romântica. Invocação do Mal 4: O Último Ritual recupera a sofisticação estética e a atmosfera de medo que marcaram o primeiro filme, ao mesmo tempo em que resgata a dinâmica familiar como eixo narrativo.
Entre imagens perturbadoras e sustos genuínos, o filme relembra por que essa franquia conquistou tantos fãs, ao ponto de provocar uma nostalgia precoce no próprio ato da despedida. O legado, sem dúvida, permanece. Mas era chegada a hora de dizer adeus. E, para a nossa surpresa, esse último ritual consegue transformar sustos simples em experiências cinematográficas de arrepiar os pelos do corpo todo. Amém!
NOTA: 7/10
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