[EXCLUSIVO] “O cinema é hoje um braço importante de promover um país”, diz Antônio Pitanga em entrevista ao Pipocas Club

Um faroeste à lá brasileira. Este é Oeste Outra Vez, novo filme do diretor Érico Rassi (de Comeback – Um Matador Nunca se Aposenta) que estreia nesta quinta (27) nos cinemas e retoma suas discussões tão características sobre os efeitos tóxicos da masculinidade em cenários áridos e escassos para falar sobre realidades tipicamente brasileiras. 

Vencedor dos prêmios de Melhor Filme e Melhor Fotografia no Festival de Gramado e com distribuição da O2 Play Filmes, o redator Rafael Oliveira conversou com Tuanny Araujo, Daniel Porpino e Antônio Pitanga sobre o filme, seus personagens e o que tudo isto representa para o momento atual do cinema nacional.

Entrevista exclusiva com Tuanny Araújo, Daniel Porpino e Antônio Pitanga de ‘Oeste Outra Vez

Rafael: Primeiramente, quero parabenizar a todos vocês pelo filme! Eu assisti ele duas vezes, uma na Mostra de SP e outra na Mostra de Tiradentes, e acredito que nas duas mostras tenha sido meu filme favorito, estou pregando a palavra de Oeste Outra Vez por onde passo! E eu quero começar falando com você, Tuanny. Apesar da sua personagem, a Luísa, ter alguns poucos segundos de tela, ela tem uma das imagens mais emblemáticas do filme, que é quando ela abandona aqueles homens que estão se digladiando, e sem olhar para trás. E mesmo assim, ela é alguém onipresente pelo filme inteiro. O que você acha que sua participação e presença representam sobre o filme?

Tuanny Araújo: Essa presença na ausência, essa mulher que simplesmente vai, ela escolhe ir. Eu acho que ela comunica muito para quem assiste. Não só para a obra, mas principalmente para quem assiste, porque é como se… é quase como se fosse um convite, sabe? Eu acho isso muito poderoso. E no filme eu acho que a maneira como ela simplesmente sai, se coloca, sem ter uma imagem de alguma violência sofrida, como a gente vê, que é muito costumeiro, né? Então, não tem essa transcrição dessa realidade para a obra de ficção.

O Eric foi muito sensível nessa parte. Embora tenha outras transcrições, a gente vê esses homens nos bares que se relacionam com as bebidas, então é isso, se chama muito pela bebida, que a gente encontra em qualquer lugar do nosso território. Agora, a imagem da violência que a gente também encontra em qualquer lugar do território, a mulher vulnerável a essa violência masculina, não está ali no filme.

Então, essas outras ausências que também não estão no filme, eu acho que elas são muito significativas, porque eu acho que elas renovam o nosso olhar sobre essa possibilidade, a gente coloca a personagem feminina em outro lugar, essa presença meio fantasmagórica, que ronda ali aqueles universos, e que ela está simplesmente na sua trilha, no seu caminho, e que fica cada um ao desejo de continuar essa história.

E eu acho que essas reticências, elas são muito individuais. Como é que essa história continua? Porque as pessoas perguntam o que ela fez. Ela volta? Ela quer? Não quer? Ela fica? Por que ela largou um? Por que ela escolheu o outro? Por quê? Esses porquês, acho que eles são muito poderosos. Porque aí cada um vai preencher da sua maneira. Ou não preencher, mas acho que só a pergunta, ela já é muito reveladora.

Rafael: E Daniel, o seu personagem, que é o Antônio, ele é mergulhado num tipo de hipocrisia que é tipicamente masculina. Ele também vem de um abandono de uma mulher que ele diz que ama, e que finge que não se importa, mas na verdade ele se importa muito. E ele mantém essa relação de afetividade, mas nunca homoafetiva até onde vemos, e meio distante com o Domingos, que é o personagem do Adanilo. Como foi sua preparação para acessar esses lugares e sentimentos de hipocrisia masculina e a construção de um laço de confiança com outro personagem masculino em cena?

Daniel Porpino: Cara, interpretar o Antônio foi uma trajetória de muitas mãos juntas, porque apesar de que o personagem, digamos, é delegado a um ator, as contribuições são múltiplas, né? Desde quando a gente tá num camarim provando um figurino, esse personagem vai se materializando na literalidade do que ele veste, do que ele manuseia, de como é a figura dele e tal.

Desde a conversa com a direção, nós tivemos uma preparadora que foi a Luciana Canton, que também conversou com a gente sobre quem esse cara poderia ser num ponto de vista mais subjetivo, de encontrar essa memória dessa Gracinha, que é a esposa que o abandonou e o que isso deixou de marcas nesse cara. Então na hora que ele mata o cara, o atual marido da ex-esposa dele, que vem com aquela luz da fogueira e aí daqui a pouco ele vai sumindo e fica só um contorno, ele é isso, ele é um homem cheio de vazio, ele tem um vazio ali, e o que é que alguém vai dar se não tem preenchimento nenhum, o que é que essa pessoa vai dar pra alguém?

E nessa relação com o Domingos, que é interpretado pelo Adanilo, tem essa relação de parceria, mas ao mesmo tempo ela se revela muito contraditória, muito humana também nesse sentido. Porque ele é o cara que ele tem pra conversar, se é que dá pra chamar de conversa. O que acontece entre eles, é uma conversa que não é conversa, é um diálogo que precisa acontecer, mas não acontece. Ao mesmo tempo que ele vai usar o cara como escudo humano.

O único ser que tá ali acompanhando esse cara nessa trajetória, que tá perguntando o que ele quer fazer, toda essa história, ele usa o cara como escudo humano quando o negócio aperta. Então é um cara que vive essa amargura. Ele se vê ali numa saga que está buscando matar alguém, nesse meio de conversa ele encontra outra pessoa a quem ele deseja matar, que é o marido da sua própria esposa. Então ele se confronta com sua própria história de forma um tanto inesperada. E ao mesmo tempo a gente tinha uma direção muito precisa do Érico, que era uma direção que queria uma chave de interpretação que traduzisse um pouco a aridez do local, a aridez dessas relações.

A gente, ator, que às vezes gosta de dar muito, de improvisar, de colocar em cena tanta coisa, essa contenção, ela é um desafio à parte, ela é um desafio formal também no fazer do filme. Então foi muito desafiador em todos esses sentidos. E esse aspecto que você fala, dessa macheza, dessa hipocrisia masculina, eu acho que nem precisou, digamos assim, em termos de interpretação, eu vender essa hipocrisia. Eu acho que ela está na matriz do filme, sabe?

E ao mesmo tempo que ele lida com a própria história, tratando a esposa como uma propriedade, ele lá na frente vai dizer para o Totó, como é que pode roubar uma mulher? Isso não se faz. Não é possível fazer isso. Então essa contradição, essa hipocrisia dele está presente na própria obra, sabe? Os próprios acontecimentos, mesmo em uma atuação, uma chave um pouco mais fria, mais contida, ela aparece, porque ela é o grande assunto da gente ali. Essa fragilidade masculina que não sabe se perceber quem sou eu. Não se percebe. E esse vazio acaba levando esses homens para essa tragédia da violência.

Rafael: E Antônio, seu personagem, o Ermitão, ele entra mais à frente no filme, e ele talvez seja o mais misterioso de todos os homens. Nós não sabemos quase nada dele, mas vemos algumas coisas sendo pinceladas sobre ele pra manter o personagem nessa posição de um homem que tem algo a esconder. Como você acha que a entrada do Ermitão contribui pra história e narrativa do filme?

Antônio Pitanga: O filme já é um prêmio, né? Fazer esse personagem, esse filme. E esse personagem de tantas mortes morridas e tantas vidas vividas. E todas as coisas, todas as caminhadas, ele está cercado de bebidas, tá entendendo? Até vinha um pouco da família, para enquadrar ele. E ele ter a possibilidade, com essa vivência, de achar a saída. Mas ele é conhecedor, né? E aí chega um momento que quase que ele deposita as armas e diz, eu quero uma mulher pra cuidar de mim.

Você vê a pessoa chegar na curva descendente para poder dizer isso. Ele é um personagem que pra você entender o Erico conversando e falando do personagem, essa desconstrução de tantos personagens, de tantas vidas do Antônio Pitanga, vividas, feitas, personagens e tal, para fazer esse personagem se construir, desarmar, e aquele biombo, aquele cafofo, aquele pequeno espaço, é muito o que você falou das caminhadas, da vida dele, da vida vivida e da vida morrida.

Porque ele viveu e morreu tantas vezes, e viveu tantas vezes, e talvez ali seja o último momento dele respirar. É um personagem muito bonito, e que tem uma importância muito grande na história, no resultado da história do Oeste Outra Vez. Eu acho que muitos homens, eu vejo o seguinte, eu jogo bola, vou fazer 86 anos, jogo três vezes por semana quando estou no Rio, segunda, quinta e sábado, e vejo muita gente que viveu todas as vidas, e ele esqueceu de viver a dele. Então eu acho que ele é o resultado de vidas vividas e de vidas morridas.

Rafael: Para finalizar, Oeste Outra Vez está chegando aos cinemas num momento muito frutífero pro audiovisual nacional. Acabamos de voltar de uma vitória no Oscar e temos um filme com Fernanda Montenegro em primeiro lugar nas bilheterias do Brasil, desbancando produções com muito mais dinheiro. O que vocês acham que Oeste… um filme western, um filme sobre essas masculinidades, representa para esse momento tão especial e único no cinema nacional?

Daniel Porpino: Penso que representa uma diversidade de quantos olhares diferentes o nosso cinema pode ter. O cinema brasileiro pode ser urbano, pode se passar numa grande metrópole dentro de um escritório, pode se passar no meio da chapada dos veadeiros, pode transitar por temas históricos importantes, como a gente viu agora a ditadura militar, pode falar de um aspecto humano, como o Oeste fala, dessa masculinidade, dessa forma de ser de homens no mundo. Pode sonhar, pode ir para outro planeta.

Então, eu acho que o Oeste pode trazer essa ideia de que, nossa, como a gente pode contar histórias diferentes e mostrar esses pequenos Brasis para mostrar como o Brasil é gigante. Sabe? Mostrar essas regionalidades, essas coisas, esses diferentes cenários, e mostrar o quão gigante o nosso cinema pode ser, representando a grandeza do nosso Brasil, da cultura brasileira.

Tuanny Araújo: Eu acredito muito, assim, não só no poder, mas no potencial de tantos e tantos profissionais envolvidos que muitas vezes estão fora desse radar, vamos dizer assim, né? Tem um eixo que a gente sabe que impera, o eixo de São Paulo. E eu acho que o Oeste vem apresentar pra gente a potência, a grande potência da nossa brasilidade, da nossa contação de histórias. E eu acho que isso mostra que se houver acesso, recursos, a gente é capaz de fazer com que a história do cinema brasileiro continue fazendo a gente vibrar e dando alegrias, como tem dado.

Eu acho que junto a isso também é um momento para a gente refletir sobre os outros passos que são importantes para manter esse cinema aceso e vivo. Então, a formação de plateia, como o Dani falou em outra entrevista, a gente aumentar a quantidade de salas dentro dos nossos territórios. Com essa força coletiva e conjunta, para a gente continuar mostrando para a gente mesmo, o poder da nossa criação. Eu acredito muito no nosso cinema e eu confio que as próximas estações que estão por vir aí vão ainda nos fazer ficar muito orgulhosos, sabe?

Antônio Pitanga: O cinema brasileiro já deu prova. Já veio de uma estrada de formação de plateia dentro do cinema novo. E tivemos grandes filmes como Deus e o Diabo na Terra do Sol, Barra Vento, que eu fiz com o Muralda, Marco Naíma, do Joaquim Pedro, Dom Bernardo, de Leon Richman, Vidas Secas, do Nelson, Deus é Brasileiro, Bye Bye Brasil, e tendo a originalidade brasileira que não existe em nenhum país do mundo que tenha a potência, a pegada cultural desse cinema brasileiro, de várias culturas, de povos originários, de povos africanos, sequestrados, escravizados, que trouxeram sua cultura para a África, mãe África, na culinária, na música, na dança, então é um cinema que tem ali uma riqueza enorme.

Então eu vejo que esse cinema está chegando. A única coisa que eu realmente ainda peço, a cultura tem que ser um projeto de nação. Tudo isso é baixo orçamento. É a criatividade do Erico, de toda uma equipe, do Martimundo, o próprio cara que é um dos caras mais ricos do Brasil, o Walter Salles. Ele faz um filme de 50 milhões. Eu fiz um filme, Malês, de 17 milhões, um filme de época. Então, se aqui eles estão projetando para 100 salas, poderia estar em 500 salas, 300 salas. Então, o Oeste Outra Vez, com Ainda Estou Aqui e Vitória, são primos e irmãos de novas platéias, de pipoqueiros, das pessoas que vão pra ver o cinema.

Tô vivo e aí hei de viver mais 15 ou 20 anos para chegar a 100, para ver o que o cinema brasileiro está fazendo, essa proposta e esse chamamento. Eu acho que está na hora de a gente trabalhar,  fazer um movimento para que essas leis e que esse projeto sejam de nação. O cinema americano desde cedo entendeu que o cinema é o melhor e o mais importante produto promocional de marketing de um país. É o tesouro que bancava. Agora já tem a indústria, mas bancaram o cinema americano.

Quer dizer, a gente até acreditou que havia uma democracia, o mito da democracia racial nos Estados Unidos. Então eu acho que essa cultura, quer dizer, o cinema é hoje um braço importante de promover um país.

Sobre Oeste Outra Vez

A história de Oeste Outra Vez acontece no sertão de Goiás e acompanha Totó (Ângelo Antônio) e Durval (Babu Santana), dois homens brutos que após serem abandonados pela mesma mulher, se voltam violentamente um contra o outro. A narrativa aproveita os elementos de um western para tratar temas como solidão e homens incapazes de lidar com suas próprias fragilidades. 

No 52º Festival de Cinema de Gramado, um dos mais importantes do Brasil, que desde 1973 premia anualmente os melhores e longa-metragens do ano, o drama foi premiado como Melhor Filme, Melhor Fotografia e Melhor Ator Coadjuvante com Rodger Rogério. 

Oeste Outra Vez também estará presente na 16ª edição da Mostra O Amor, a Morte e as Paixões de Goiás no próximo dia 23 de fevereiro. A exibição contará com a presença do diretor e elenco. O longa também teve sua estreia antecipada para 6 de fevereiro em Goiás.

O longa estreia dia 27 de março nos cinemas brasileiros.

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