“A ideia principal era ser o mais abrangente possível”, diz Beatriz Saldanha, pesquisadora e curadora da Mostra Mestras do Macabro em entrevista EXCLUSIVA

Quando se fala sobre a democratização do acesso ao cinema, e consequentemente, os olhos se voltam para o cinema de gênero, pouco se fala sobre a longa e invisibilizada estradas das cineastas mulheres dentro do cinema de horror. Coraline Fargeat e seu A Substância trouxeram uma nova luz para a contribuição feminina ao gênero, mas e a história das que vieram antes? 

Esse resgate é a proposta da curadora e pesquisadora Beatriz Saldanha na seleção de filmes para a mostra Mestras do Macabro: As Cineastas do Horror ao Redor do Mundo, que acontece a partir de amanhã e vai até o dia 21 de Abril no CCCBB em São Paulo, com sessões completamente gratuitas, além de um curso ministrado pela própria Beatriz e mesas de debate.

O redator Rafael Oliveira conversou com a curadora Beatriz Saldanha sobre o processo de curadoria da mostra e toda sua proposta. Leia na íntegra abaixo:

Rafael: Me conte sobre o processo de curadoria e os recortes que você fez para chegar aos títulos selecionados para a Mostra.

Beatriz: Foi uma curadoria de “escavação”, no sentido de que há muitos anos, enquanto pesquisadora, eu venho investigando o cinema de horror feito por mulheres para ministrar cursos, produzir artigos, entre outras coisas. Então, quando decidimos inscrever o projeto da mostra, eu já tinha uma boa ideia das diretoras que eu não poderia ignorar dentro dessa história. Além disso, considerei importante ter uma representatividade internacional razoável, mesmo sabendo que grande parte dos filmes seriam estadunidenses devido ao país ser até hoje o maior polo de produção do gênero. No que diz respeito ao período contemplado, comecei por aquele que é considerado o primeiro longa-metragem solo de horror dirigido por uma mulher, O Doce Vampiro (Stephanie Rothman, 1971), até chegar a filmes mais recentes que considero representativos do olhar contemporâneo. Então, como pode ver, são muitos fatores que influenciaram na escolha, mas a ideia principal era ser o mais abrangente possível, pois eu sinto que esse tema é muito pouco conhecido aqui no Brasil e muitos destes filmes, em especial os mais antigos, serão vistos pela primeira vez.

Rafael: Dentre as diretoras destes filmes selecionados, 5 delas são brasileiras, e com exceção de Gabriela Amaral Almeida e Juliana Rojas, talvez todas elas sejam desconhecidas até mesmo no meio do nicho cinéfilo. Me conte sobre o contato que você tem com essas diretoras e suas obras.

Beatriz: Na verdade, a Anita Rocha da Silveira também é bastante conhecida e até influente. O filme Raquel 1:1, dirigido por Mariana Bastos, por exemplo, me parece bastante afetado pelas questões e pela abordagem que a Anita costuma explorar nos filmes dela: dinâmicas entre grupos de mulheres, a influência das religiões na sociedade brasileira contemporânea, entre outros aspectos. Enfim, quando pesquisamos um tema, ficamos sempre com as antenas ligadas para não perder o que há de novidade no meio, e foi assim com todas elas. A Anita eu conheci ainda no primeiro longa-metragem, Mate-me Por Favor (é o seu segundo longa, Medusa, que está na nossa programação), quando foi exibido na Mostra de São Paulo em 2015. Foi parecido com a Alice Furtado, que tinha me deixado muito curiosa na ocasião da exibição de Sem Seu Sangue em Cannes em 2019. Felizmente, pude ver o filme pouco tempo depois, quando ele estreou no Brasil dentro da programação da mostra MacaBRo de horror brasileiro contemporâneo e logo em seguida entrou na programação da Netflix. O mesmo aconteceu com a Mavi Simão, quando ela exibiu Terminal Praia Grande no Cinefantasy em 2020 (aliás, essa é uma ótima oportunidade para ver este filme, que foi pouquíssimo exibido). 

Rafael: E já que mencionamos Gabriela, ela irá participar de uma sessão comentada dentro da programação sobre o filme O Cemitério Maldito. Existe algum motivo específico para colocá-la na discussão sobre esse filme?

Beatriz: Sim, existe um ótimo motivo! Além de ser uma cineasta brilhante, a Gabriela é especialista em Stephen King e defendeu em 2005 uma dissertação de mestrado intitulada “As Duas Faces do Medo: Um estudo dos mecanismos de produção de medo nos livros de Stephen King e nos filmes adaptados”, pela Universidade Federal da Bahia. Na dissertação, ela faz uma análise detalhada sobre três filmes adaptados da obra do King, sendo um deles O Cemitério Maldito. No filme A Sombra do Pai, que exibiremos na programação, a menina Dalva assiste ao filme, uma influência direta para a Gabriela na criação da história. Ou seja, as conexões são diversas e para mim é algo muito especial estabelecer diálogos entre as cineastas que estão na mostra. Recomendo, então, que quem vai à mostra ver O Cemitério Maldito comentado pela Gabriela não perca a sessão de seu filme, A Sombra do Pai, para ter uma experiência completa.

Rafael: Você também irá ministrar um curso sobre cineastas no gênero do horror. O que as pessoas que forem participar podem esperar das suas aulas?

Beatriz: No curso, eu traço uma trajetória das mulheres na direção dos filmes de horror, desde alguns curtas-metragens feitos no primeiro cinema, nos cinemas de vanguarda e experimental, até os dias de hoje, sempre contextualizando com o período em que os filmes foram realizados e analisando os principais temas abordados. É claro que, como o tempo é limitado, foi necessário fazer adaptações, mas os todos os momentos-chave dessa história estarão contemplados.

RAFAEL: E pra finalizar, dentre os títulos selecionados para a Mostra, tem algum que seja especial pra você? Aquele que você guarda com um carinho especial e que te deixa muito feliz de estar conseguindo exibir nesta mostra?

Beatriz: Nossa, são muitos. A verdade é que eu adoro cada um desses filmes, por motivos diversos. Por exemplo, O Cemitério Maldito é um filme que eu via ainda na infância e considero muito importante para a minha formação. Há ainda algumas pérolas desconhecidas, como A Jaula de Mafu, O Pesadelo de Celia, Segredos Evidentes, entre outros. Mas quem me conhece sabe que tenho uma predileção por horror francês e o meu xodó da mostra é o filme Desejo e Obsessão, da cineasta Claire Denis, uma das principais cineastas em atividade. Ela aborda o canibalismo por uma perspectiva super autoral, fazendo um filme ao mesmo tempo grotesco e sensual.

A mostra Mestras do Macabro: As Cineastas do Horror ao Redor do Mundo, acontece entre os dias 20 de março e 21 de abril no CCBB São Paulo, composta por uma retrospectiva de 28 longas-metragens de horror dirigidos por mulheres de diversas nacionalidades, além de atividades extras como debates e sessões comentadas, tudo isso de forma gratuita. 

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