Qualquer projeto, quer fosse documental ou não, que abordasse a trajetória e a importância de uma figura como Milton Nascimento, deveria ter a consciência do peso e tamanho da influência deste artista na música brasileira. E a diretora Flávia Guerra, notoriamente, tem noção deste peso. A própria ambição de um documentário como Milton Bituca Nascimento, onde toda uma equipe acompanha Milton para cima e para baixo durante sua turnê de despedida, revela isso.
Além de todas as imagens de bastidores, o documentário reúne um quase incontável número de relatos de artistas, nacionais e estrangeiros, que fazem parte do núcleo de convívio de Milton ou nutrem alguma admiração por seu longevo e influente trabalho. Talvez um número incontável até demais, visto que a diretora busca preencher duas horas de projeção, ainda acompanhada por uma narração carregada de ninguém menos que Fernanda Montenegro, a fim de investigar o caráter mítico do nome e presença do artista.
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Os acertos e erros de Milton Bituca Nascimento

Neste esforço quase hercúleo de se equiparar à altura do homem sobre quem fala, o documentário se torna não somente extensivo, mas carente de foco. O que é um tanto estranho, visto que o filme se propõe a um recorte muito específico do biografado, mas parece ter pouca crença na força, por si só, que este mesmo recorte pode trazer para a narrativa.
Daí, primeiramente, nos deparamos com esta narração tão sacrossanta e metafórica de Montenegro sobre Milton que, a priori, este é o primeiro elemento a empacar essa investigação íntima sobre uma figura que sempre foi muito discreta sobre sua vida pública. Já tendo admitido em entrevistas que nunca preparou exatamente um roteiro, a diretora encontra adversidades para preencher estas lacunas no objetivo de dizer algo mais profundo sobre Milton e a reflexão de sua trajetória durante esta despedida.
Falar sobre o processo de algumas das composições de Milton, claro, já era esperado e faz total sentido nesta investigação sobre a transcendência de sua música, para o Brasil e para o mundo. Inicialmente, há muitos relatos de figuras brasileiras, contemporâneas ou não, que descortinam nosso interesse pelo conhecer mais do trabalho de Milton e como este influencia tantos artistas de ontem até hoje.
Flávia, entretanto, cede fácil ao terreno do documentário “chapa-branca”. E lota o filme com elogios, aplausos e odes a Milton (merecidos) que condenam as duas horas de filme a uma repetição que só reforça os mesmos pontos sobre o biografado, sem jamais levá-los à frente.

A seleção de entrevistados é das mais invejáveis: Gilberto Gil, Caetano Veloso, Chico Buarque, Simone, Criolo, Mano Brown, Djavan, Djamila Ribeiro, Lô Borges, Beto Guedes, Sérgio Mendes, Maria Gadu, Djonga… e quando você pensa que não irá acabar mais, ainda surgem outros nomes de peso como Pat Metheny, Stanley Clarke, Herbie Hancock, Quincy Jones, Wayne Shorter, Spike Lee… revela-se uma dificuldade da edição de Laura Brum ao lado da própria Flávia de abrir mão de segmentos, abrir mão da reiteração para seguir endeusando a pessoa e o trabalho de Milton. Merecido ao artista, mas condenatório para o documentário enquanto experiência.
O filme, então, não sabe como jogar luz em sua narrativa para além da unanimidade de Milton Nascimento enquanto grande artista. Enquanto esta tecla é insistentemente pressionada pela fala de terceiros, o próprio Milton e sua intimidade parecem sumir da narrativa em certos momentos, e mais do que isso, sua música também é abafada neste processo, algo estranho para um documentário musical.
Em meio a tantas imagens de cobertura, cidades e trens, falta a voz do próprio Milton. Daí que, neste cruzamento de ideias entre ser o registro de uma turnê ou um conjunto de declarações sobre o artista, fica faltando clareza ao conjunto. Claro, saímos da sessão imaginando a infinidade de materiais registrados durante todo esse passeio, ao mesmo tempo em que temos a certeza de que falta potência à organização destas imagens, destas vozes, que se sobrepõem à do próprio Milton – fica até parecendo que o homem já está morto! Prova disso é quando até mesmo o foco tardio em Minas Gerais, onde Milton viveu sua infância, parece apressado e desesperado em amarrar pontas soltas. Uma pena.
NOTA: 4/10
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