Crítica | O Melhor Amigo – Tão intenso (e fugaz) quanto um amor de verão

O verão é o cenário perfeito para filmes sobre amadurecimento. A transição dessa estação reflete o próprio processo de crescimento, como se, em poucos meses, a vida passasse do inverno ao solar. E Allan Deberton (do ótimo Pacarrete) combina elementos que, em mãos menos hábeis, poderiam resultar em um completo desastre. Mas, com seu olhar intuitivo e sensível ao drama humano, entrega um inesperado (e surpreendente ótimo!) musical cearense vibrante, que pulsa vivacidade — e ainda o faz dentro de uma gentil comédia romântica convencional.

Essa mistura de elementos cria em O Melhor Amigo um espetáculo espirituoso, sem perder, claro, a simplicidade. Aqui o verão, assim como em filmes como Me Chame Pelo Seu Nome e Aftersun, funciona como um catalisador de amadurecimento, uma força solar que nos empurra para novos caminhos, para uma nova estação. Entre risos e emoções contidas, o que realmente cativa em O Melhor Amigo é a sinceridade com que retrata seus personagens e o amor efêmero em tempos tão voláteis.

Os acertos e erros do filme

O longa é uma expansão do curta homônimo do próprio Deberton, que agora tem a oportunidade de explorar mais a fundo seu protagonista e ambientar a trama em um cenário ardido, quase como um personagem vivo. Acompanhamos Lucas (Vinicius Teixeira), um jovem arquiteto que viaja para a praia de Canoa Quebrada, no Ceará, onde reencontra Felipe (Gabriel Fuentes), um amor do passado que ressurge como um verdadeiro tsunami em sua vida.

É nesse contexto que o filme se transforma em um inesperado musical tropical e caliente, misturando as cores e o melodrama dignos de Almodóvar e Luca Guadagnino com a energia descontraída de um episódio de férias de Glee. Entre shows de drags e noites de pegação, Lucas percebe, aos poucos, que pode ser feliz sem depender de nenhum homem para isso. E, felizmente, essa história LGBT+ foge do clichê de dor e tragédia, focando nos desafios e desilusões do amor moderno — especialmente na era dos aplicativos.

O calor está presente em todos os sentidos — nas deliciosas (porém poucas, infelizmente) cenas de sexo, quentes na medida certa (com a tonalidade saborosa de corpos nus ardentes, queimados pelo sol), na fotografia incandescente, nos personagens constantemente suados. A vibe tropical transpira Brasil e cria uma atmosfera envolvente, reforçada por personagens relacionáveis e pela sensação de que aquela praia está congelada no tempo, como uma dimensão paralela onde vamos para nos encontrar antes de seguir em frente.

A mensagem central da trama é bem clara: fazer as pazes com o passado, aceitar-se como realmente é e descobrir a autossuficiência. Lucas é cheio de falhas e está preso em seus próprios conflitos de aceitação. Mas, ao se deparar com um mundo mais livre e leve de pessoas trans e drag queens, percebe que a mudança que busca precisa começar de dentro para fora. É clichê, mas sempre funciona.

A narrativa é ágil e o roteiro, embora simples e direto, cumpre bem sua proposta, sem deixar muito espaço para interpretações mais profundas. E tá tudo bem! Talvez um toque a mais de sensualidade estilizada — algo na linha de Motel Destino — trouxesse o nível de ousadia que tornaria a obra mais adulta e menos juvenil, ainda que se trate de uma comédia para o público 30+. A comédia ocupa bastante espaço e, embora o humor funcione muito bem, os momentos dramáticos poderiam ter um impacto emocional maior.

Como um bom musical, as canções cumprem seu papel de forma eficiente, tanto para avançar a trama quanto para revelar os pensamentos e emoções dos personagens. Os números musicais são deliciosos, fotografados sob a luz amarelada do entardecer, e muito bem dirigidos por Deberton, deixando a sensação de que queremos ver mais trabalhos do diretor nesse gênero — o potencial é enorme.

Vinicius Teixeira surpreende pela capacidade de equilibrar carisma cômico e ternura, sendo uma revelação total. Lucas é emocionado como todos nós — um sonhador iludido, mas impossível de não se identificar. Já Gabriel Fuentes, no papel do sedutor e galã de novela das sete, entrega um personagem cheio de camadas e com molho brasileiro. Apesar de desejado por todos, ele carrega uma solidão e um desejo de liberdade que transbordam na tela. A química entre os dois é tão forte que daria tranquilamente para imaginar uma série de TV com oito episódios só sobre esse casal.

Veredito

O Melhor Amigo é a essência do cinema de verão brasileiro, pulsando com vivacidade e calor em um terreno ainda pouco explorado no cinema nacional: os musicais. Com alegria e autenticidade, entrega uma comédia romântica gay simples, sincera e quente pra cara***. A trama é provocativa, carregada de desejo e tesão, ambientada em um cenário paradisíaco que reflete o romantismo tropical do Brasil.

Um toque a mais de sensualidade poderia elevar o filme a um patamar ainda mais ousado, mas já se destaca ao colorir a tela com uma história de amor agridoce, relacionável e honesta, que combina o melodrama vibrante de Almodóvar com o erotismo sofisticado de Luca Guadagnino. O resultado é uma proposta divertida, inesperada e altamente representativa — perfeita para encerrar a temporada de verão com um beijo na boca.

NOTA: 8

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