Crítica | Acompanhante Perfeita – Um romance irresistível entre comédia ácida e terror

É inegável que Acompanhante Perfeita (Companion) oferece um frescor surpreendente à já desgastada premissa de “robô que ganha consciência”. Embora o filme seja vendido como vindo das mentes sádicas por trás do excelente Noites Brutais (o que, na prática, não é exatamente verdade), ele usa esse imaginário para construir uma nova comédia de horror sombria, recheada de comentários sociais. De forma criativa e divertida, o roteiro traça diversas analogias sobre relações tóxicas, fragilidade masculina e a cultura incel.

No entanto, não demora muito para que a narrativa se perca nas regras absurdas que ela mesma estabelece. Acho que falar em furo de roteiro é pouco, mas são as doses cavalares de humor ácido e perverso que acabam mascarando essas falhas e, de certa forma, fazendo a trama funcionar ao abraçar o cômico da situação e do “romance” moderno que explora.

O longa também agrega questões relevantes, como a evolução da inteligência artificial e o uso de máquinas para atender necessidades emocionais e sexuais, enquanto oferece uma crítica feminista afiada, ainda mais considerando que vem da visão masculina do diretor estreante Drew Hancock. Misturar comédia e terror nem sempre é uma tarefa fácil, mas Hancock demonstra ter total domínio sobre o terreno em que está pisando.

Os acerto e erros do filme

O enredo criativo segue um jovem casal que acabou de se conhecer de forma fofa e decide passar um tempo juntos na casa de campo de amigos. Lá, a tímica e antissocial Iris (Sophie Thatcher) começa a descobrir segredos inesperados sobre si mesma, o que desafia sua relação quase submissa com Josh (Jack Quaid) – apesar de já ter avisado no começo que vai matá-lo em breve. A trama se propõe a brincar com a ideia de um romance às avessas, subvertendo as expectativas do público sobre o verdadeiro rumo da história. Embora não traga nada realmente inovador, as reviravoltas conseguem surpreender os desavisados e até oferece momentos empolgantes, mesmo que irrealistas.

Mas a brincadeira está em exercer nossa suspensão da descrença. Até aí, tudo bem. O maior problema de todos, no entanto, está na exposição excessiva do texto, que insiste em explicar e repetir suas ideias mais de uma vez. Essa necessidade de autoafirmação acaba tornando o filme desgastante, como se fosse preciso o tempo todo convencer o público da ousadia de sua proposta, quando ela poderia ter falado por si mesma com mais sutileza. Há tanta “a arma de Tchekhov” e flashforward no roteiro que mostra um pouco da inexperiência do diretor, da superficialidade e da gana do estúdio de deixar tudo mastigadinho e convencional.

Sophie Thatcher continua firmemente sua ascensão em Hollywood e entrega mais uma performance memorável após o sólido Herege e a série Yellowjackets. Com um visual que evoca a aura retrô de Priscilla Presley – meio dona de casa dos anos 50, meio recatada e do lar -, ela interpreta uma protagonista em uma jornada de autodescoberta e despertar feminino. Embora previsível em sua essência, essa trajetória se revela surpreendentemente humana, trazendo uma profundidade que ultrapassa o esperado para uma história “bobinha” como essa.

Embora, claro, compartilhe a energia tosca da tecnologia maléfica de M3GAN, Acompanhante Perfeita se diferencia ao explorar com mais profundidade questões contemporâneas, conduzindo um olhar cínico sobre a idealização romântica que temos hoje. No seu melhor momento, o filme faz críticas deliciosas às relações modernas e ao impacto do avanço tecnológico no futuro dessas conexões pessoais, mas usa e abusa de personagens tão irritantes que é difícil engolir.

Veredito

Acompanhante Perfeita é como um namoro que começa cheio de charme e personalidade, misturando comédia romântica ácida e satírica com suspense envolvente. Mas, assim como muitos amores, perde o fôlego antes de chegar ao final. O filme é uma verdadeira “caixa de bombons” de crítica social, brincando com os perigos de entregar tecnologia às mãos de homens carentes e inseguros. Divertido e engenhoso na maior parte do tempo, flerta com a ideia de ser algo memorável, mas se torna repetitivo ao insistir em se explicar demais.

A experiência será muito mais impactante se você entrar sem expectativas, como em um encontro às cegas – sem trailers ou spoilers para estragar as surpresas. Fingindo ser um romance cafona, o filme felizmente subverte o enredo inicial e embarca numa jornada caótica e sombria. Ainda assim, falta a química essencial para transformar essa conexão em algo verdadeiramente único. Um relacionamento divertido enquanto dura, mas talvez não deixe saudades.

Nota: 7

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