O uso do sexo no cinema continua sendo tema de discussões calorosas, especialmente diante da resistência da nova geração a esse recurso como parte da narrativa. Enquanto algumas produções utilizam cenas de sexo para preencher lacunas em roteiros vazios, outras conseguem usá-las para construir atmosferas que ampliam o impacto da obra. Babygirl, ousado projeto de Nicole Kidman (que se aproxima de seus 60 anos!) e que chega ao Brasil pela Diamond Films, é um exemplo dessa segunda (e fantástica!) abordagem.
Dirigido pela cineasta holandesa Halina Reijn, o filme explora a manipulação sexual como um instrumento de poder e transforma o constrangimento humano em uma crítica social pungente. Aqui, o problema não é a presença do sexo, mas sim a incapacidade de muitas produções de mergulharem a fundo nos tabus que pretendem abordar. Tudo é soft e o pé está sempre no freio, quando o que se pede é sem limites.
Apesar das atuações brilhantes do elenco, Babygirl se esforça para evocar uma sensualidade convincente – algo que, por exemplo, o recente Queer, com Daniel Craig, executa de forma impecável e muito melhor. Curiosamente, a ausência de nudez, comum a ambas as obras, não é o problema para conjurar o tesão. A dificuldade está na construção do clima.
Os acertos e erros do filme
Em Babygirl, o sexo é retratado como submissão e fetichismo, centrando-se em uma mulher madura, Romy (vivida por Kidman), CEO de uma grande companhia e poderosa, mas insatisfeita sexualmente, que se envolve com um jovem estagiário ambicioso e marrento que flerta com alpinismo social. Apesar de contar com uma base narrativa intrinsecamente erótica e repleta de possibilidades picantes, o roteiro acaba tropeçando exatamente no que pretende criticar: a moralidade e a necessidade de preservar convenções tradicionais, ou seja, o sentimento de culpa.
O desejo de Romy, válido e feroz, é tratado como algo sombrio e inaceitável, mesmo para ela própria. No entanto, a submissão sexual, quando bem explorada, nada tem a ver com moralidade ou comportamento cotidiano – trata-se de um espaço seguro puramente ligado ao desejo carnal. Infelizmente, Babygirl se prende à ideia de que esse desejo é pervertido demais para ser verdadeiramente libertador.
A principal diferença entre Babygirl e obras eróticas horrendas como Cinquenta Tons de Cinza e 365 Dias é o selo da A24 e, claro, a performance radiante de Nicole Kidman em um papel forte, denso e emocionalmente desgastante. Embora não seja o ponto alto de sua carreira, a interpretação de Kidman adiciona peso a uma crítica social urgente: o descarte de mulheres acima de 50 anos em Hollywood. Kidman brilha ao exibir sua sexualidade e naturalidade com o texto, tornando o filme magnético e intrigante, algo que diferencia Babygirl das produções mencionadas.
Ainda assim, essas obras compartilham a promessa de profundidade que nunca chega a ser totalmente entregue, evitando a explicitude de seus temas. Na realidade, muitas vezes, a nudez gratuita serve mais como distração do que como um recurso narrativo, mascarando lacunas criativas nos roteiros. É graças à entrega de Kidman que Babygirl transcende essa armadilha e consegue oferecer algo mais genuíno.
Mas a história em si, o desenrolar da trama, nada é tão especial quanto aparenta. Harris Dickinson é um ótimo ator e sexy por natureza, mas há uma camada fria na sua performance que nem mesmo Kidman consegue derreter. Afinal, é difícil ser mais tentador que Antonio Banderas, que vive o marido “soca fofo” da protagonista.
Claro que o roteiro de Babygirl demonstra um domínio impressionante ao explorar a dinâmica de poder que permeia tanto empresas quanto lares, revelando o desejo que surge dessa tensão entre controlar e ser controlado – uma dinâmica frequentemente entrelaçada com dinheiro e status.
Romy confessa sentir desejos “diferentes” desde a infância e está disposta a desafiar sua família tradicional para vivê-los, embora carregue o peso da culpa que a acompanha. Enquanto sua fome parece insaciável, a diretora Halina Reijn adota um controle cuidadoso, preferindo a sutileza à explicitude, evitando com elegância o olhar masculino que poderia transformar o filme em um fetiche barato (como tantos!) – e, ironicamente, mais palatável para o público machista.
O resultado é uma narrativa que sim, celebra o poder e a autonomia feminina, apresentando uma personagem que reivindica seus instintos mais primordiais por pura satisfação pessoal, sem desculpas. É raro (e revigorante!) testemunhar uma obra cinematográfica onde uma mulher é plenamente dona de seu desejo, navegando por territórios carnais com uma coragem que transcende tabus e desafia convenções – tal como vemos no recente Anora, também um dos destaques do ano.
Veredito
Em uma Hollywood ainda fortemente dominada por homens brancos e velhos, Babygirl surge como um raro e ousado milagre narrativo, subvertendo dinâmicas de poder e explorando a história de uma mulher madura em busca de satisfação, vista como imoral sob o olhar tradicional sobre sexo. Aqui, sexo é retratado em sua essência mais selvagem, humana e carnal, a perversão que guardamos dentro de nós.
Nicole Kidman entrega uma atuação magnética, alcançando o ápice de sua capacidade e mais uma vez reafirmando seu talento – que deve estar no Oscar 2025. No entanto, o filme não acompanha a intensidade que promete. Embora se venda como sexy e provocador, falta coragem para mergulhar na transgressão e na libertação que sua premissa sugere.
A trilha sonora constante cria uma atmosfera sensual e erótica bastante envolvente, mas o roteiro hesita em explorar com profundidade o poder e a perversão de sua protagonista. Kidman é um deleite de assistir, mas Babygirl, no fim das contas, não vai além das preliminares.