Crítica | Abraço de Mãe – Horror cósmico transforma Rio de Janeiro em Silent Hill

Cristian Ponce é um daqueles raros e subestimados cineastas que possuem um olhar absolutamente singular para o horror, repleto de referências e capaz de transformar qualquer história em algo inventivo e aterrorizante. Um diretor que claramente ama criar atmosferas e se diverte com o gênero como poucos nos dias de hoje.

Já havia demonstrado sua habilidade em construir uma tensão envolvente com a série animada A Frequência Kirlian (2017), que nos leva a uma rádio macabra em uma cidadezinha cheia de mistérios, e em seguida arrepiou o público com História do Oculto (2020).

Agora, Ponce atinge um novo patamar de maturidade cinematográfica e domínio narrativo ao dirigir o filme brasileiro Abraço de Mãe, uma mistura de terror psicológico e fantasia sobrenatural que foi selecionado para o Festival do Rio. Desta vez, utiliza o ensolarado e caótico Rio de Janeiro como palco para criar algo totalmente inédito no nosso cinema, e o resultado é fascinante. Ao ambientar a trama em meio a uma tempestade e em um local isolado, repleto de mistérios, entidades e criaturas estranhas, ele transforma o Rio em uma versão de Silent Hill por uma noite.

O resultado é um deleite para os fãs de histórias que se desenrolam em um curto período de tempo, onde o clima se torna um verdadeiro vilão. Mas, apesar do título aparentemente acolhedor, Abraço de Mãe vai para o lado oposto, mergulhando profundamente no terror lovecraftiano com sua estranheza gloriosa e toques cósmicos, evocando referências, em especial, ao livro e filme Dagon (2001). Sim, estamos falando de um filme brasileiro que se inspira em clássicos da literatura sobrenatural — e o resultado é magnífico.

Os acertos e erros de Abraço de Mãe

Na obra de H.P. Lovecraft, Dagon é uma divindade sombria que habita o mundo e se alimenta de sacrifícios humanos, cultuada por aqueles que acreditam em seu poder, representando fertilidade e abundância na pesca, uma espécie de “deus” submerso no Oceano Atlântico. Em Abraço de Mãe, Ponce canaliza essa força motora para criar um enredo surpreendentemente enegenhoso e cheio de mistérios, que é ao mesmo tempo bastante carioca e também universal.

Ambientada durante a histórica tempestade tropical de 1996 no Rio de Janeiro, a trama segue a determinada Ana (Marjorie Estiano), uma bombeira que, junto com sua equipe, tenta desesperadamente evacuar um hospital psiquiátrico precário prestes a desabar. No entanto, os enigmáticos residentes do local têm planos perturbadores e sinistros. À medida que a tempestade se intensifica pela cidade, Ana é forçada a lidar não só com o perigo iminente, mas também com os traumas de seu passado, especialmente em relação à sua mãe.

Apesar de ser um verdadeiro deleite para os fãs de fantasia de horror. Abraço de Mãe não é um filme para todos e deve encontrar certa dificuldade na Netflix. Sua narrativa, em alguns momentos, se complica ao tentar explicar demais, sem oferecer respostas realmente satisfatórias sobre o que está acontecendo – se é que precisa. É um sonho? São fantasmas? Tudo se passa na mente da protagonista? Talvez tudo isso e, ao mesmo tempo, nada disso. O enredo é confuso e embriagado de metáforas.

Sem qualquer sutileza, o filme explora temas densos como medo, paranoia, religião e existencialismo em um Brasil dos anos 90, que proporciona uma experiência intrigante e envolvente boa parte da obra, mas sem entregar respostas fáceis. Há muitos elementos bons sendo arremessados na tela, e nem todos são desenvolvidos de forma satisfatória.

Abraço de Mãe não tem muitos sustos memoráveis, infelizmente, mas a grande força da narrativa está mesmo é na habilidade de Ponce em construir e sustentar o suspense de forma precisa, semelhante à nomes como Mike Flanagan, por exemplo. Ele mantém a tensão no ar pelo tempo necessário, especialmente com o suporte da magnética Marjorie Estiano, que carrega nas costas o peso emocional do filme.

Já conhecida por sua competência no gênero, como demonstrou no ótimo As Boas Maneiras, Marjorie mais uma vez se destaca como um dos pontos altos do filme. Embora sua atuação não seja excepcionalmente intensa, ela sabe perfeitamente como se transformar em uma scream queen convincente à medida que a trama a conduz por uma verdadeira descida ao inferno.

Veredito

Abraço de Mãe é um verdadeiro presente para os fãs do horror cósmico de Lovecraft, combinando elementos distintos de maneira surpreendentemente eficaz, graças à mente criativa e habilidosa do argentino Cristian Ponce, que sabe como criar atmosferas de medo profundamente imersivas. O filme mergulha o espectador em uma noite repleta de pesadelos e terror, que transforma o ensolarado Rio de Janeiro em uma versão carioca de Silent Hill, cercada de mistérios e criaturas bizarras.

Apesar de um enredo sobrecarregado com tantas ideias e uma narrativa confusa para quem não está acostumado, Abraço de Mãe é uma adição muito bem-vinda ao cinema de gênero brasileiro. O filme oferece uma experiência de terror psicológico cuidadosamente orquestrada para manter o público na ponta da cadeira. Um pouco mais de sangue teria sido a cereja no bolo macabro, mas felizmente, Marjorie Estiano entrega a performance sacrificial que o filme precisava.

NOTA: 8/10

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