Crítica | O Aprendiz – Da ascensão financeira à vertiginosa decadência moral

O cinema, assim como outras formas de arte, tem a subversiva capacidade de contar histórias que mexem em temas polêmicos e abordam assuntos que, de outra forma, talvez nunca fossem discutidos. Uma boa narrativa provoca reflexão, mesmo quando disfarçada de entretenimento. E é exatamente isso que O Aprendiz, que chega ao Brasil pela Diamond Films após uma passagem pelo Festival do Rio, entrega.

Mais do que uma cinebiografia tradicional, o filme é uma crônica satírica e irônica sobre a ascensão de Donald Trump nos Estados Unidos. Em vez de se ater a fatos ou temer ferir a imagem do retratado (como muitos por aí!), o diretor Ali Abbasi opta por uma abordagem irreverente e ousada. Ele transforma a trajetória de Trump em uma espécie de história de origem de vilão, com todos os artifícios que se esperaria em um filme de super-herói da DC.

E, como toda boa história de origem, o filme provoca um misto de empatia e até certa dose de pena. Mas, longe do lugar-comum, O Aprendiz tem coragem de seguir um caminho onde, ao final, o que resta é a vergonha de termos permitido que algo tão canastrão e caricato chegasse ao topo do poder mundial.

Os acertos e erros do filme

Convenhamos, fora do âmbito político, Trump é, sem dúvida, uma figura fascinante para ser explorada, seja por suas opiniões controversas sobre questões sociais e humanas, ou por sua incansável busca por poder e glória. O roteiro de O Aprendiz foca precisamente no período de sua vida entre as décadas de 1970 e 1980, quando ele se torna uma espécie de protegido submisso de Roy Cohn, seu conselheiro e advogado.

Será que foi Cohn o responsável por corrompê-lo, ou o mal já estava presente em Trump, apenas esperando alguém que o instigasse? Uma coisa é certa: a visão conservadora de um se transforma na perspectiva perigosa do outro, enquanto ambos perseguem o ideal de um EUA feito apenas para os americanos. À medida que acompanhamos a ascensão financeira de um alpinista social nato, assistimos também à sua vertiginosa decadência moral.

O filme se afasta da necessidade de ser fiel aos fatos o tempo todo, abraçando polêmicas e controvérsias bem conhecidas da vida do ex-presidente. Ele se transforma em uma dramédia centrada em personagens, com uma estética deliciosamente fantástica, textura granulada e movimentos improvisados, seja na recriação impecável da época ou nas escolhas de câmera que evocam The Office e Succession. Às vezes, a paródia é tão exagerada e absurda que lembra uma recriação de Trump em Todo Mundo em Pânico.

Para surpresa geral, Sebastian Stan está absolutamente incrível no papel, com uma interpretação que deve lhe render uma indicação merecida ao Oscar. Ele captura os trejeitos, o modo de falar com os lábios franzidos, a postura – tudo está impecável, mesmo que a semelhança física não seja exata.

O Trump de Stan é, no início, surpreendentemente empático e até ingênuo, antes de assumir plenamente seu manto de vilão alaranjado como conhecemos. Claro que Jeremy Strong também entrega mais uma performance forte (perdão o trocadilho!) e arrebatadora na pele de Roy Cohn, do seu momento de macho alfa até a fragilidade da doença.

Para evitar cair na comédia pastelão, Abbasi se apega a alguns fatos e oferece uma visão genuína do protagonista. O Aprendiz não é uma comédia ácida ao estilo de Sacha Baron Cohen, mas o roteiro nos faz rir com uma série de situações bizarras. A sinceridade e o entusiasmo da direção tornam o filme cativante, e, apesar de sua longa duração, ele mantém o ritmo.

Ainda que haja momentos em que o humor fácil se exceda, especialmente na segunda metade, quando Trump já assume seu lado mais midiático e conservador, o filme mergulha com força nos escândalos sexuais, na vaidade do empresário e em seu desprezo por qualquer um que não seja ele próprio. Se a sua cabeça não tivesse sido aberta para resolver a calvície e pudéssemos ver seu cérebro, seria justo se perguntar se havia algo lá dentro.

Veredito

Enquanto Ali Abbasi nos faz rir de Trump, ele também nos leva a refletir sobre como permitimos que uma caricatura cartunesca tivesse tanto poder nas mãos — e como, se algo assim se repetir, pode significar o fim do mundo que conhecemos. O mundo já viu ditadores arrogantes e políticos perversos suficientes, mas, em O Aprendiz, Trump é retratado de maneira diferente: um homem minúsculo e montado, frágil e vaidoso, incapaz de pensar em algo além de sua calvície ou de sua barriga saliente.

Ele é, aqui, um produto da extrema direita que colocou um palhaço no poder. E sobre isso, o Brasil entende bem. Embora não seja um filme explicitamente político, suas mensagens estão lá, com um brilho laranja ofuscante diante dos nossos olhos. Divertido, subversivo, com um visual retrô e atuações impecáveis, O Aprendiz é uma sátira ácida e irresistível.

NOTA: 8

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