Crítica | Coringa: Delírio a Dois – Tão impactante quanto uma piada de tiozão

Uma piada sem graça! As expectativas eram grandes e nem todas são cumpridas de maneira satisfatória em Coringa: Delírio a Dois, sequência que nunca justificou existir. Prometido como um musical frenético e imerso na liberdade criativa do subgênero, a sequência de Coringa (2019) se revela, na realidade, um drama de tribunal lento e maçante, que se apoia quase exclusivamente no peso emocional de seu protagonista — ainda complexo, com várias camadas, mas agora mais digno de pena do que de fascínio.

Esse universo “mais realista” da DC, que remete ao estilo de Christopher Nolan, até tem seu apelo com parte do público, mas Coringa parece ter uma constrangedora vergonha de suas origens nos quadrinhos, e reluta em abraçar a totalidade da perversidade do vilão. O personagem, mais humano e vítima das circunstâncias, acaba perdendo o impacto que o tornava tão cativante.

Se essa abordagem mais introspectiva funcionou no original, agora é desânimo purinho. Coringa: Delírio a Dois emana a energia de um projeto apressado, nascido do sucesso inesperado do primeiro filme, mas em vez de explorar novas possibilidades, se prende a uma narrativa desgovernada, girando em círculos em torno de uma história (se é que há alguma!) que simplesmente não evolui.

Os acertos e erros de Coringa: Delírio a Dois

A sequência começa com uma animação cômica e violenta no estilo Looney Tunes, que, apesar de visualmente interessante, parece deslocada no contexto do filme. No entanto, ela antecipa o verdadeiro dilema de Coringa: Delírio a Dois: Arthur e Coringa são a mesma pessoa, ou o Coringa é apenas a manifestação maligna de Arthur? Com essa premissa, o tribunal precisa julgar se Arthur sofre de transtorno dissociativo de identidade ou se o Coringa é sua verdadeira face, escondida sob a máscara de um homem solitário e aparentemente gentil.

Nesse cenário, o filme nos apresenta inúmeras sequências musicais, especialmente após Arthur, já preso em Arkham, se envolver com a sedutora e insana Arlequina, de uma Lady Gaga boa, mas sem muito esforço. Juntos, eles protagonizam momentos musicais grandiosos — mas o problema é que todos esses bons momentos são apenas frutos da imaginação, sonhos e delírios. Nenhuma das aventuras da dupla é real, o que torna tudo terrivelmente decepcionante.

Joaquin Phoenix, claro, brilha mais uma vez e rouba o show com sua postura desconcertante, carregando o filme com uma atuação brilhante e intensa, mostrando uma dedicação notável ao papel desde sempre. Em contraste, Lady Gaga é subaproveitada, parecendo estar lá apenas para cantar – e encantar os fãs. Sua versão da Arlequina é superficial, desorientada e retratada como a grande megera da trama, o completo oposto do que vimos na versão – ainda superior – vivida por Margot Robbie em outros filmes.

Nesse universo invertido criado por Todd Phillips, é ela quem manipula o Coringa e fragiliza sua sanidade já não tão boa, uma escolha de muito mau gosto que ignora as complexidades da personagem, historicamente vítima das crueldades do vilão. Embora a química entre Phoenix e Gaga funcione em algumas cenas, no geral, a historinha de amor no CAPS não convence. Phillips, por sua vez, deixa o ritmo do filme desequilibrado, prolongando cenas banais enquanto mergulha no ambiente sujo e decadente da prisão, capturando o tédio e a desesperança que cercam o protagonista.

Para uma terra sem leis, a Gotham no universo de Phillips parece organizada até demais. O drama do tribunal (que, aliás, é longo demais) retrata uma cidade surpreendentemente preocupada com seus cidadãos, em contraste com a caótica metrópole que conhecemos. O dilema de Arthur ser controlado pelo Coringa, quase como um alter ego, traz uma perspectiva interessante ao roteiro, criando um paralelo com a dualidade de Bruce Wayne e Batman.

No entanto, nem o próprio Arthur parece acreditar que suas ações terríveis não foram fruto de sua própria vontade. Além disso, o filme é recheado de músicas, tanto reais quanto imaginárias, em uma quantidade maior do que o esperado. Algumas são intensas e profundas, enquanto outras são melancólicas e infinitamente desnecessárias. A loucura compartilhada promete um romance La La Land, mas expõe cenas pesadas de abuso psicológico (e sexual) que causam desconforto, uma vez que esse filme abre mão da violência gráfica que o primeiro teve.

O roteiro frágil aqui serve meramente como uma extensão mais lenta e enfadonha da trama do primeiro filme. Paradoxalmente, apesar de Coringa: Delírio a Dois se desvincular quase totalmente de seu material original dos quadrinhos, o filme se mostra estranhamente limitado pelas amarras de seu próprio antecessor.

Visualmente, mantém o estilo conceitual do primeiro, com uma fotografia cuidadosamente planejada, onde cada luz funciona como um holofote, colocando o Coringa sempre no centro das atenções, como se estivesse em um palco. A iluminação e a cenografia são impecáveis e imersivas, ainda mais impressionantes em IMAX.

A trilha sonora orquestrada contribui para criar uma atmosfera onírica e imaginativa, mergulhando o espectador nas angústias dos personagens e na densidade desse universo sombrio. No entanto, enquanto o primeiro filme, apesar de suas controvérsias temáticas, soa muito mais completo e dinâmico, esta sequência parece perdida, sem um objetivo claro, culminando em um desfecho mais amargo do que jiló cru.

Veredito

Coringa: Delírio a Dois é uma sequência que não consegue, nem de longe, atingir o mesmo nível de seu antecessor e falha em cumprir o potencial prometido. Enquanto o musical excessivo se deleita na loucura compartilhada de seus personagens, o drama de tribunal provoca sonolência. Dentro desse enredo, há uma histórinha de amor no CAPS cafona, superficial e mal desenvolvida, que não aproveita a perversidade intrínseca de seus dois icônicos personagens dos quadrinhos.

O filme, como um todo, se perde ao tentar justificar as decisões polêmicas do primeiro, apresentando consequências maçantes e se esquecendo de ser tão envolvente, sombrio e ousado quanto o original, que não temia explorar esses aspectos. Claramente um projeto apressado, repleto de boas ideias, mas com uma execução que, ironicamente, carece de qualquer senso de humor ou divertimento. Nem mesmo Lady Gaga é capaz de fazer esse circo pegar fogo. Trágico.

Nota: 5/10

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