Resgatar a energia e o clima do cinema de horror dos anos 1970 é um desafio considerável para o ritmo frenético e apressado do cinema contemporâneo, onde os filmes muitas vezes se apoiam em sustos previsíveis e uma narrativa simplificada para atrair um público ávido por entretenimento escapista. E se adicionarmos a essa equação o fato de ser um prequel, ou seja, uma história que antecede eventos já conhecidos de uma das maiores franquias do subgênero de possessão, a tarefa se torna ainda mais árdua. No entanto, A Primeira Profecia (The First Omen) abraça essa missão com habilidade notável e apresenta uma abordagem que surpreendentemente honra as raízes do gênero, enquanto oferece qualidade de narrativa.
Longe de depender de sustos baratos, o filme se concentra na construção de uma atmosfera densa e envolvente, priorizando o desenvolvimento dramático em detrimento do terror superficial. O projeto da 20th Century Studios realiza uma história de origem com reverência à obra original, mas que também expande de maneira inteligente o universo estabelecido pela franquia.
Índice
Os erros e acertos de A Primeira Profecia
Como sugere o título, este filme segue os eventos do clássico de 1976, A Profecia. No entanto, a trama se desenrola alguns anos antes dos acontecimentos do primeiro filme e do nascimento do anticristo Damien (Harvey Spencer Stephens) – uma das figuras mais emblemáticas do cinema. Inspirado na abordagem inicial do cineasta Richard Donner, A Primeira Profecia explora, de forma criativa, a sinistra seita dentro da Igreja Católica que deu origem à profecia do filho do diabo na Terra e desvenda o mistério em torno da verdadeira mãe de Damien, uma questão deixada em aberto pelo filme original.
O prelúdio acompanha uma jovem americana (vivida pela excelente Nell Tiger Free) enviada a Roma para prestar serviços à igreja. Porém, durante sua estadia, ela se depara com uma escuridão que abala sua fé, descobrindo uma conspiração sombria que busca trazer à tona o mal encarnado, o tão temido anticristo. O roteiro, sem grandes surpresas, explora as ramificações desse início de tudo e como a ambição pode corromper até as almas mais puras.
Diferentemente de bombas religiosas como A Freira, este filme abraça uma narrativa mais “mundana”, mais realista (claro, com sua dose necessária de fantasia), que mergulha em seu viés dramático sem receio de se perder no terror. Essa abordagem, bastante corajosa diga-se de passagem, evoca lembranças de grandes filmes como Sorria e Hereditário.
A cineasta novata Arkasha Stevenson mergulha de forma impressionante na atmosfera de horror deste filme e explora seu lado visceral e grotesco, mantendo a tradição do original ao construir uma narrativa lenta, gradual e envolvente. As reviravoltas da trama não são reveladas de imediato, embora o curso dos acontecimentos possa ser bastante previsível.
Ao evocar imagens profundamente perturbadoras e explorar a agonia dos cenários religiosos sombrios e carregados de dor e angústia, Stevenson demonstra habilidade ao guiar a narrativa, colocando sua complexa protagonista no centro das atenções. Grande parte desse sucesso é atribuída à atuação fenomenal de Nell Tiger Free (Servant), que transmite convincentemente o desespero através de seu olhar penetrante. Aliás, por falar em palco, a nossa Sônia Braga (Bacurau) rouba a cena e surpreende por ter um papel muito maior e muito mais denso do que se prometia. É difícil desviar o olhar da estrela em cena.
Cada elemento do filme parece cuidadosamente elaborado para provocar tensão e angústia no espectador. Desde a trilha sonora sombria e persistente até a fotografia escura e opressiva, os aspectos técnicos recriam de maneira magistral a atmosfera do cinema lento dos anos 70, incluindo os cenários e figurinos da época. É uma produção grandiosa na qual se pode perceber o cuidado com os detalhes em cada cena.
Apesar de alguns personagens receberem pouca exploração e de haver poucas surpresas para temperar as reviravoltas, é difícil não se envolver com essa trama de conspiração religiosa que se inspira no clima fúnebre de clássicos como O Bebê de Rosemary e O Exorcista, embora, claro, com impacto menor que estes dois.
De qualquer modo, apesar de sua duração excedente (2 horas é muita coisa pra essa história, convenhamos!) e de um desfecho um tanto quanto exagerado ao conectar diretamente com o filme de 1976, é revitalizante testemunhar o retorno de um clássico às telas com tanto cuidado, respeito e dedicação para criar algo que seja ao mesmo tempo novo, divertido e reverente às origens.
Veredito
Profano e sublime no horror que se propõe, A Primeira Profecia é uma surpresa que audaciosamente mergulha em seu viés dramático em vez de depender exclusivamente de sustos baratos, algo que resgata a deliciosa energia sombria da obra original e clássica de 1976, ao mesmo tempo em que explora novas possibilidades para um prelúdio poderoso, talvez até mesmo o ponto mais alto da franquia.
Com uma trama que queima lentamente, o filme exige paciência, mas recompensa com imagens perturbadoras e uma atmosfera de pavor que deve dominar seu corpo antes mesmo que possa lutar contra. E se há algo que a diretora Arkasha Stevenson domina é o controle do medo sobre o público. O longa recria o terror corporal sob a lente feminina e adiciona uma generosa pitada de horror visceral que o torna envolvente, sinistro e, acima de tudo, uma experiência de arrepiar os pelos da nuca.
NOTA: 8/10
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