O olhar delicado do diretor australiano Matthew Saville tanto na direção quanto no roteiro de A Matriarca (Juniper), que chega ao Brasil pela Pandora Filmes, confere um sabor especial a toda a trama do filme. Os diálogos cuidadosamente equilibrados entre humor ácido e drama de alta qualidade exploram não apenas as paisagens isoladas de uma Nova Zelândia pacata, mas também as angústias de uma família disfuncional, evocando lembranças de filmes como o recente Os Rejeitados.
Assim como no filme indicado ao Oscar, onde duas pessoas aparentemente distintas são forçadas a conviver por um período de tempo e, através desse convívio, descobrem ter mais em comum do que imaginavam, o roteiro de A Matriarca também estabelece interessantes paralelos entre a solidão da velhice e a rebeldia da juventude, explorando as diferentes gerações e suas respectivas angústias.
Índice
A trama e o elenco de A Matriarca
O talentoso estreante George Ferrier e o ícone do cinema mundial Charlotte Rampling (Duna), entregam performances impressionantes, criando um vínculo convincente que transmite simultaneamente amor e ódio. É difícil desviar o olhar da tela sempre que Rampling, no papel de uma avó ranzinza e aparentemente infeliz, irradia sua presença magnética e compartilha lições poderosas sobre o envelhecimento.
Na trama, Ruth (interpretada por Rampling) é uma renomada correspondente de guerra, agora aposentada. Ao invés de aproveitar seu merecido descanso, Ruth se sente entediada e busca distração no álcool, o que resulta em uma perna fraturada. Seu neto, Sam (Ferrier), foi expulso do internato onde vivia devido à sua rebeldia, intensificada após a morte da mãe. Assim, ele é obrigado a ir morar com a avó, a quem mal conhecia. O encontro inicialmente turbulento entre os dois se transforma em um vínculo poderoso.
Embora o roteiro não traga muitas surpresas e se apoie em uma narrativa já tão explorada no cinema, a trama de A Matriarca se desenvolve de forma gradual, priorizando a relação entre a avó e seu neto. O filme oferece momentos de pura contemplação, entremeados por diálogos perspicazes que abordam o valor que atribuímos – ou deixamos de atribuir – às nossas vidas.
Enquanto Sam está à beira de desistir de tudo, Ruth luta para sobreviver, mesmo sem esperança aparente. Encontra no neto uma última conexão, essencial para sua própria reconciliação, o perdão à sua família ausente e, ao mesmo tempo, para seguir em paz. Ao explorar esses dilemas relacionados ao envelhecimento e etarismo, o filme estabelece uma reflexão sobre as relações familiares que ecoa muito além de seu desfecho.
Entretanto, o desfecho se revela controverso e amargo em contraste com a atmosfera mais terna que vinha sendo construída. Este é talvez o ponto mais fraco da narrativa. Embora se alinhe ao desejo de Ruth, o desfecho acaba por transmitir a sensação de que, mais uma vez, a família se livra do fardo de cuidar dela. O humor mordaz presente em boa parte do filme contrabalança o risco de sentimentalismo exagerado, porém, a condução lenta e o ritmo prolongado podem fatigar alguns espectadores.
Veredito
Há uma doçura melancólica tão marcante no roteiro de A Matriarca, assim como no desempenho de Charlotte Rampling, que é difícil desviar a atenção, mesmo diante de uma trama que se desenrola lentamente. Embora não seja uma narrativa inédita, a condução ácida, os diálogos afiados e as performances convincentes tornam o filme uma experiência mais gratificante do que à primeira vista.
O contraste entre a solidão da velhice e a vitalidade da juventude nos conduz a um relacionamento entre avó e neto que emociona, diverte e conquista até os corações mais resistentes. Rampling interpreta uma personagem corroída pelo tempo, solitária e negligenciada por todos ao seu redor.
No entanto, encontra em seu neto de dezessete anos um último motivo para sorrir e se reconciliar consigo mesma antes do fim. Embora não apresente inovações, o filme oferece um excelente estudo de personagem em meio a reflexões sobre a vida, a morte e a reconciliação nas relações familiares.
NOTA: 8/10
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