Você com certeza já deve ter pensado em como seria sua vida se não tivesse dito certas palavras, tomado certas decisões, ou se relacionado com certas pessoas. É parte da natureza humana fantasiar com as inúmeras possibilidades que passaram pela nossa frente e que, muitas vezes, sequer foram notadas. Em Vidas Passadas, Celine Song (A Roda do Tempo) inicia uma discussão a respeito desse tema.
Na trama, Nora e Hae Sung eram amigos de infância inseparáveis que nutriam sentimentos amorosos um pelo outro. No entanto, quando a menina precisa mudar para os Estados Unidos com sua família, a relação entre os dois é profundamente abalada. Anos mais tarde, eles se reencontram e seu passado entra em conflito com as novas realidades nas quais estão inseridos.
Vidas Passadas é, antes de qualquer outra coisa, uma história de amor. Lindo e dolorosamente humano, o filme traz uma perspectiva totalmente nova sobre romances. Isso porque ele não é pautado nas experiências compartilhadas pelos seus protagonistas e usa justamente seu distanciamento físico e cultural como o motor principal da trama.
Celine Song, que escreveu e dirigiu o longa, trouxe para as salas de cinema uma história repleta de expectativas quebradas e personagens altamente conscientes. Ao conduzir a trama na contramão das estruturas mais conhecidas do gênero, a diretora entregou um filme completamente original, maduro e ainda assim merecedor de seu espaço entre grandes filmes de romance.
Por ser muito real, porém, é provável que muitas pessoas não pensem dessa maneira. Afinal, os maiores representantes do “cinema romântico” são marcados por enredos extremamente fantasiosos e clichês. No entanto, é sempre bom ver uma história tão próxima da nossa realidade sendo bem trabalhada nas telas sem perder sua essência: o amor entre os protagonistas.
Falando neles, as atuações de Greta Lee (Nora) e Teo Yoo (Hae Sung) estão impecáveis. A química entre os dois é tamanha que fica até difícil não achar que os atores estão, de fato, conectados em outros planos existenciais. John Magaro, que interpreta Arthur, fica logo atrás e entrega um dos personagens mais interessantes e autoconscientes do filme inteiro.
Os diálogos escritos por Song são como lâminas que atingem os espectadores o tempo inteiro. É impossível assistir ao filme sem refletir o tempo todo sobre nossas próprias vidas (e vidas passadas, claro). Assim, a obra acaba sendo um gatilho para a reflexão interna, e passamos a questionar nossas escolhas e também o momento atual de nossas próprias histórias.
Estamos falando, portanto, de um filme cheio de camadas. Você vai se sentir muito bem e muito mal enquanto estiver assistindo ao longa, isso é certo. Mas esse é o efeito esperado de boas histórias, que elas nos façam transitar por vários lugares de uma só vez. Celine Song sabia exatamente o que queria dizer com seu novo trabalho, e a mensagem pode ser facilmente interpretada por qualquer um que decida assisti-lo de mente e coração abertos.
Vidas Passadas é sobre estar eternamente apaixonado pelo que poderia ter sido, mas sem querer abrir mão do que se tem hoje. Tocantemente verdadeiro, esse é um romance como poucos outros. Você certamente se identificará com a história de Nora e Hae Sung tanto quanto eu.
Nota: 9/10
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