Baseado no livro homônimo de Rumaan Alam, lançado bem no ano da pandemia global, 2020, O Mundo Depois de Nós (Leave the World Behind) ziguezagueia em uma série de direções interessantes enquanto aborda diferentes aspectos do nosso momento atual com uso de tecnologia, inteligência artificial e as guerras em curso.
É um filme-catástrofe sobre o fim dos tempos, mas, diferente de muitos outros poucos engenhosos, consegue, no meio disso, fazer um estudo valioso sobre a humanidade e sua presença nociva no planeta. Liderado por um conjunto estelar e escrito e dirigido pelo criador de Mr. Robot, Sam Esmail, o longa da Netflix explora com maestria a paranóia e o medo causado pela desinformação, mas também fornece duas horas e meia de pura tensão que nos deixa na ponta da poltrona segurando o fôlego.
Índice
A trama e o elenco de O Mundo Depois de Nós
Em O Mundo Depois de Nós, a humanidade é quase que um vírus ao sistema imunológico global. O que começa com um simples passeio de férias de família se torna um evento muito maior, mais assustador e repleto de situações inusitadas que vão desde o fim do mundo até uma guerra iminente nos EUA. O grande trunfo do roteiro está em esconder muito bem as respostas e deixar as perguntas consumirem nossa mente do começo ao fim.
O que afinal está acontecendo fora daquela casa pacata no interior? Sem dúvida, a jornada da família, liderada por Clay Sandford (Ethan Hawke) e Amanda (Julia Roberts), quando recebe a visita de George “GH” Scott (Mahershala Ali) e sua filha adulta Ruth (Myha’la Herrold), donos da residência em que eles alugaram para passar as férias, em busca de uma solução cabível à falta de informação sobre o pesadelo que estão presenciando, vale cada segundo do nosso investimento.
Evocando o estilo e a narrativa intrigante de M. Night Shyamalan, Sam Esmail faz milagres com sua câmera engenhosa e conduz a história com maestria e criatividade, mesmo quando a trama se torna lenta, que evolui lentamente, em busca de mergulhar um pouco mais a fundo na vida desses personagens presos nesta mansão sem saber se o mundo está mesmo acabando ou se são eles que estão surtando.
A personagem de Myha’la Herrold enfrenta algumas questões envolvendo racismo estrutural que talvez seja o ponto mais baixo do roteiro, um pouco sem coragem, uma vez que menciona nas entrelinhas e não desenvolve esse conflito que poderia ser enriquecedor a história, afinal, fala sobre pessoas diversas e como elas podem ser cruéis e detestáveis. Apesar disso, o restante do texto brilha na simplicidade de como aborda a sociedade, a política e a cultura norte-americana.
Curiosamente, o filme se conecta assustadoramente com o recente período de isolamento social por conta da COVID e traz algumas lembranças amargas de lidar, mas, por outro lado, logo se mostra maior e mais bizarro que isso, desde avistamentos de animais misteriosos até ruídos estranhos à distância. Durante essa preparação, Esmail e o diretor de fotografia Tod Campbell criam uma sensação de diversão sinistra com a maneira como balançam a câmera pelo espaço da casa. Eles criam perigo e impulso à medida que os incidentes ostentosos nas proximidades se acumulam, deixando o espectador ainda mais confuso, mas de uma forma boa. Não espere respostas fáceis e simples pois este não é o tipo de filme.
Nos seus melhores momentos, o filme se transforma em um thriller focado sobre a melhor forma de manter os entes queridos seguros, um tema recorrente em obras desse gênero. Muito semelhante à filmes como Rua Cloverfield, 10 e o recente Batem à Porta, e séries como Black Mirror, o dilema salvar minha família x deixar o lado humano para trás assume o tela e, por vezes, funciona muito por conta da química excelente do elenco, especialmente entre Julia Roberts e Mahershala Ali.
As performances (de todos!) são brilhantes, fluem naturalmente, um prazer de se assistir. A última cena do filme, envolvendo a jovem Farrah Mackenzie, é fantástica e faz uma perfeita conexão da série Friends (amplamente mencionada ao longo do filme) com o conforto desesperador do fim.
Veredito
O Mundo Depois de Nós é um filme de terror para os anos 2020, o tipo de filme que desencadeia conversas acaloradas após a sessão e esta é parte da magia do cinema. A obra antecipa o pavor e a paranóia global que enfrentamos e prova a engenhosidade narrativa de Sam Esmail e sua capacidade de conduzir um filme intenso, envolvente e bizarro do começo ao fim, destemido em explorar a desesperança e o medo provocado pela desinformação dos tempos atuais. Entre pandemia e guerras, talvez o maior mal que vivemos seja ter que lidar com o fato de que somos nós o nosso próprio apocalipse.
Confrontar a verdade machuca e o roteiro faz isso com a delicadeza de tirar um curativo de um machucado infeccionado. O mistério aumenta lentamente até o final arrepiante e cínico, que serve de palco para o elenco espetacular brilhar a cada frase de efeito dita e cada enigma dissolvido ao longo da narrativa aflitiva. Em um ano fraquíssimo para a Netflix, ao menos nos últimos dias a gigante do streaming entrega seu melhor filme recente, um suspense magistral, com uma boa dose de comentários sociais e que nos faz refletir sobre como seria o mundo sem nós.
NOTA: 9/10
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