A brasileira Fernanda Pessoa e a mexicana Chica Barbosa, que mora em Los Angeles, são amigas. Em 2020, elas começaram a estabelecer um diálogo sobre a situação do mundo naquele momento, sobre os países onde moravam, percebendo as semelhanças dos governos negligentes com a situação da saúde pública, entre outras coisas. O documentário experimental VAI E VEM nasce dessa discussão, dessa vontade de documentar e compreender o mundo em que viviam naquela época. O filme chega aos cinemas brasileiros em 16/11, com distribuição da Boulevard Filmes e codistribuição da Vitrine Filmes e ganhou seu trailer oficial.
Confira abaixo:
“O filme surge de uma necessidade real de nos comunicarmos, e da percepção de que ligações por vídeo e mensagens de voz no whatsapp não eram suficientes para dar conta dessa realidade. Eu queria que ela tivesse um pouco da sensação do que era estar no Brasil naquele momento – os panelaços diários, a obsessão com as notícias, a cidade que deveria estar vazia, mas na verdade nunca ficou, os trabalhadores que não tiveram a chance de parar porque o capital, os empreendimentos imobiliários nunca param por aqui. Por outro lado, queria entender como a Chica estava vivendo esse momento lá, recém-chegada aos Estados Unidos de Trump“, conta Fernanda, que mora em São Paulo.
Fernanda explica que Vai e Vem tem a sororidade como um tema central do longa. “Apesar disso ter sido sempre muito importante na minha vida, o filme reforçou essa noção para mim. O processo colaborativo da criação cinematográfica foi muito importante também. Sinto que para nós duas, esse pode ser o caminho para filmes experimentais e feministas: menos individualistas, com colaboração e autorias abertas.”
“Sempre apostei em um cinema de participação ativa e de criação coletiva, como uma forma de contestar as hierarquias individualistas e industriosas. Experienciar este processo junto com a Fernanda foi ampliar essas formas de desafiar as normas, mas agora por uma lente feminina – algo que ainda não tinha explorado com tal foco. Eu não venho de uma formação acadêmica, mas todo esse tempo entre pesquisa e práxis com a Fernanda, à nossa maneira e a partir das nossas próprias regras, resultou em um belo estudo que me fez entender melhor o cinema que desejo realizar a partir de agora“, complementa Chica.
A base para o experimento surge da leitura de “Women’s Experimental Cinema”, organizado pela professora americana R. Blaetz. São 16 artigos, cada um sobre o trabalho de uma cineasta mulher do experimental. A proposta era chegar ao fim do livro, nos comunicando estritamente por meio de vídeo-cartas, cada uma inspirada por uma dessas cineastas e seguindo a ordem do livro. Elas tinham de 2 a 3 semanas para fazer cada carta, que deveria ter entre 3 e 6 minutos.
Enquanto seguiam com o experimento, elas confessam que sentiram falta, no livro, da presença de mulheres negras e latinas, e, por isso, começaram a procurar outros nomes por experiência própria.
“Chegamos a 4 nomes que consideramos serem interessantes como contraponto de perspectivas, estilos, experiências e diferentes temas abordados: Narcisa Hirsch – alemã/argentina considerada uma expoente do cinema experimental na América Larina, Zeinabu Irene Davis – membro do movimento de cineastas independentes negros e experimentais L.A. Rebellion em Los Angeles, Ximena Cuevas – uma das primeiras videoartistas consagradas no México e Paula Gaitán – colombiana/brasileira, de quem tínhamos muita vontade em nos aproximar“, conta Chica.
A troca de vídeo-cartas se deu, também, em momentos politicamente conturbados nos dois países, e o filme registrou esses acontecimentos. “Havia a ideia de que a eleição municipal de 2018 poderia ser um sinal do ‘começo do fim’ do Bolsonarismo e de fato tivemos algumas boas surpresas, como o bom desempenho do Guilherme Boulos no primeiro turno e sua ida ao segundo turno, ou o aumento da bancada do PSOL na vereança. Por isso, no próprio filme, logo após o resultado do segundo turno, eu questiono ‘Não ganhamos, mas avançamos?’ Alguns anos depois, tendo a achar que avançamos um pouco, mas ainda me pergunto isso“, explica Fernanda.
Vai e Vem foi exibido em diversos festivais no Brasil e em outros países. Foi o longa de abertura do Olhar de Cinema, em Curitiba, e premiado com o Louis Marcus Award for Best Documentary, no IndieCork Film Festival. Foi selecionado em mais de 20 festivais, como Sheffield Doc/Fest, Cinélatino Toulouse, GuadaLAjara Film Festival, RIDM – Rencontres internationales du documentaire de Montréal, DOK Leipzig, San Diego Latino Film Festival, Queer Lisboa, e EQUIS Festival de Cine Feminista de Ecuador, entre outros.
VAI E VEM, apontam as diretoras, também teve uma importância pessoal em suas vidas, transformando-as como mulheres e cineastas. “Existe agora uma vontade de continuar explorando a liberação feminista através de filmes, não somente pelos temas tratados mas também pela forma e experimentação cinematográfica, como uma liberdade formal simbiótica. Precisei explorar e compreender as nossas subjetividades para realmente atravessar as fronteiras que tanto tememos. Agora a vontade é de continuar engolindo Hollywood, fazendo um cinema de risco, feminista, latino, coletivo e imigrante“, diz Chica.
Já Fernanda, decidiu se aprofundar no cinema experimental feminino, ingressando no doutorado na USP. “Com a pesquisa que eu e a Chica fizemos juntas, e a descoberta da falta de bibliografias e materiais sobre as mulheres latinas do experimental, decidi me aprofundar nesse caminho. Já no âmbito pessoal, além de reforçar minha amizade e admiração pela Chica, me fez buscar mais comunidade entre mulheres. Um dos assuntos principais do filme é a amizade entre mulheres, que é uma coisa mal falada na nossa sociedade patriarcal, que diz que as mulheres devem competir entre si, ser rivais ou que não existe amizade verdadeira entre mulheres.”
VAI E VEM será lançado no Brasil pela Boulevard Filmes com codistribuição da Vitrine Filmes.
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