Crítica | Barbie – A odisséia vibrante de Greta Gerwig pela feminilidade

É notável que um filme baseado na linha de bonecas Barbie tenha sido concretizado em Hollywood, apesar da habitual tendência dos estúdios em produzir filmes sobre os mais diversos temas. No entanto, o desafio reside no fato de que o próprio brinquedo reforça numerosos estereótipos, levantando dúvidas quanto ao seu respaldo pela Mattel.

Diante disso, surge a questão de como transformar esse projeto complexo em uma obra cinematográfica extremamente consciente do seu significado. A resposta encontrada foi entregá-lo nas mãos de Greta Gerwig – uma das mais talentosas roteiristas e cineastas do nosso tempo – e permitir que sua energia caótica fluísse coloridamente. O resultado é um filme que possivelmente figura entre os mais cativantes do ano.

Contudo, o encanto desse live-action não se restringe ao fato de ser uma mera “sessão da tarde” estrelada pela Barbie, mas reside na perspicácia com que aborda temas existencialistas, questionando as narrativas construídas pela humanidade em torno da masculinidade e do papel da mulher. Além disso, a obra genuinamente provoca reflexões sobre padrões de beleza, diversidade de tonalidades de pele e a representação de diferentes tipos de mulheres, inclusive aquelas consideradas possuir “defeitos” pela norma estabelecida. No entanto, esses aspectos são apenas parte do mérito deste filme.

O trabalho em questão ressoa com a tão debatida “geração do mimimi” e, sinceramente, é motivo de gratidão que esse diálogo esteja ocorrendo nas telas dos cinemas neste momento. Barbie subverte o óbvio, brinca com o perigoso e deve ofender muita gente, assim como deve ser.

A trama e o elenco

Residindo em seu “paraíso de plástico”, um verdadeiro Show de Truman, Barbie interpretada por Margot Robbie, a qual representa a Barbie Estereotipada no filme, é apenas uma das inúmeras bonecas que habitam a Barbieland, um lugar que permanece alheio à crueldade do Mundo Real. Nesse cenário colorido e desprovido de preocupações, elas, juntamente com os Ken e um Allan, vivem sem saber que os valores sociais foram invertidos, atribuindo o controle à figura masculina. Em meio a essa atmosfera feminista, um dos Ken começa a se sentir “oprimido” e decide espalhar essa influência após um breve contato com a realidade humana.

A premissa apresentada leva Ken, interpretado por Ryan Gosling, a assumir o papel de uma espécie de vilão, cujas ações são controladas por uma liberdade manipulada pelo patriarcado, que afeta todos os homens no filme. Paralelamente, a Barbie de Robbie passa a compreender os aspectos da natureza humana, desencadeando emoções que jamais imaginara sentir.

Com maestria, o roteiro, embora simples, traz um afiado subtexto que imerge uma concepção infantil em um oceano de crítica social tingido de tons rosa, que se encontra embebido de reflexões sobre o que, de fato, nos torna humanos e como, como adultos, somos responsáveis por impor padrões às crianças que não deveriam existir. A busca pela perfeição inatingível, o corpo idealizado e a vida impecável, tudo isso se revela tão irreal quanto as próprias bonecas de plástico. Ademais, recai sobre um simples brinquedo o peso de servir como exemplo para a sociedade.

Com Helen Mirren como uma narradora não-confiável, e contando com a performances espetaculares de Gosling e Robbie, o elenco extenso brilha individualmente, destacando-se, em especial, o trabalho de America Ferrera (Ugly Betty) como a ligação humana da boneca. O senso de humor é perspicaz e ácido, com piadas surgindo a cada minuto de diálogo, uma característica que pode, eventualmente, se tornar um pouco exaustiva, mas que, inegavelmente, se alinha com a identidade do filme e sua narrativa verborrágica e caótica.

As observações bem-humoradas sobre o universo masculino são brilhantes e hilárias, praticamente todas obtêm êxito. O roteiro elaborado por Gerwig e Noah Baumbach (História de um Casamento) reúne os clichês e estereótipos de masculinidade e faz um delicioso bolo rosa com eles, abordando questões cruciais com as quais deve dialogar.

A essência encantadora da Barbie reside exatamente em sua capacidade de se conectar com a feminilidade e a sororidade de maneira genuína, sem cair em pieguices ou exageros. É notável que este filme seja uma criação feminina, apresentando uma perspectiva perspicaz sobre como as próprias bonecas contribuíram para a complexidade de suas vidas.

Além disso, o enredo abrange temas relacionados à infância, nossas memórias familiares e, especialmente, os desafios de crescer como mulher em um mundo dominado pelos homens. A narrativa também reserva espaço para momentos emocionais e tocantes, ressaltados pela marcante canção de Billie Eilish. À medida que a protagonista toma consciência de sua existência, a trama mergulha profundamente nas imperfeições humanas, explorando a beleza da vida e a inevitabilidade da mortalidade.

A condução de Greta Gerwig (com um quê de coming of age de Lady Bird) é excepcionalmente cativante, mantendo o filme envolvente do início ao fim. A energia e o prazer presentes em cada segundo da obra refletem o elenco satisfeito e confiante em seu desempenho. Apesar da extensão do filme, a narrativa flui de maneira tão animada que o tempo parece passar rapidamente, tornando a experiência cinematográfica extremamente estimulante e deixando um gostinho de quero mais.

A direção de arte e a fotografia deste filme, por sua vez, são notáveis por sua exuberância visual. Cada tonalidade pastel, a concepção dos cenários em plástico, que evoca uma cidade de brinquedos, e os figurinos vibrantes conferem uma beleza singular à produção. A estética é surreal, envolvendo o espectador em um universo perfeitamente deslumbrante.

Veredito

Por fim, sob a direção de Greta Gerwig, Barbie se apresenta como uma exploração magistral da feminilidade e das imensas pressões associadas à busca pela perfeição, tudo isso enriquecido com um humor ácido. Essa emocionante montanha-russa é destacada pela meticulosa elaboração do design de produção, um elenco impecável e uma profunda reverência à icônica figura da própria boneca da Mattel.

A atuação brilhante de Margot Robbie no papel principal, aliada à divertida interpretação de Ken por Ryan Gosling e à tocante performance de America Ferrera, eleva o filme a um patamar de “melhor do ano”. Surpreendentemente, Barbie se apresenta como uma audaciosa (e extremamente cor-de-rosa) contribuição para a nova geração de crianças que desafiam os limites impostos pela sociedade e constroem suas próprias regras.

O filme equilibra com maestria a doçura e a comoção, ao mesmo tempo em que é cortante de tão afiado em suas abordagens críticas. Essa sessão é imperdível e convida os espectadores a vestirem suas melhores roupas cor-de-rosa, mas não se esqueçam de levar lencinhos de papel para as lágrimas que certamente virão. Felizmente, Barbie se revela tão deliciosamente encantador quanto se prometia ser.

NOTA: 10/10

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