Um dos maiores clássicos da literatura nacional, Dom Casmurro, ganha uma nova leitura cinematográfica, que estreia com exclusividade nos cinemas dia 27 de julho, pelas mãos de um dos maiores cineastas do Brasil, Julio Bressane. Em CAPITU E O CAPÍTULO, o diretor parte do que há de mais cinematográfico em Machado de Assis, e, em suas palavras, “a trama machadiana, distorcida, é transpassada por cenas, trechos, farrapos de filmes e texturas que se desdobram em capítulos de uma ficção escondida, ainda não vista, que se desvela, e recomeça em outro solo, em outro cosmos…”.
O título parte de um pequeno poema que Haroldo de Campos declamou ao próprio Bressane, em 1984. “‘O importante no Dom Casmurro não é a Capitu, mas o capítulo…’, disse-me. Capitu/Capítulo, este breve e lapidar poema, logo que o ouvi pela primeira vez, fiquei enfeitiçado, possuído por sua brevidade musical. Porém, naquele momento, não percebi, não alcancei, não compreendi toda sua extensão… Extensão na qual o Capítulo é pathos, emoção ultra acumulada, emoção extrema represada, escondida lá no fundo, oculta por severa sombra, bloqueada, sem saída. Pathologico.”
No filme, Mariana assume o famoso papel de Capitu, cujos “olhos de cigana oblíqua e dissimulada” seduzem o jovem Bentinho (Vladimir), que, anos mais tarde, na maturidade, narra toda essa história, assumindo o apelido de Casmurro (Enrique). O que era amor se tornou um ciúme doentio, em devaneios do protagonista, que acabaram consumindo a paixão.
Bressane viu em Machado a possibilidade de o transformar em filme, novamente, como já fizera com “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, em 1985. “A prosa capitular sugere a montagem cinematográfica. Os capítulos são retalhos de outros capítulos, de outras ficções, de outros recomeços, traço apagado de um perfil”, comenta sobre Dom Casmurro.
“Machado de Assis um inovador e inventor, momento alto na língua portuguesa, escreveu no século XIX e início do século XX. Viveu toda sua vida, sua existência, no Rio de Janeiro. Em um meio importado, Machado chamava ‘cultura de empréstimo’, procurou fixar e expandir e respirar, naquele solo hostil, a literatura (clube Rabelais) e a música (clube Beethoven)”, complementa.
Com a fotografia assinada por Lucas Barbi (“Os Primeiros Soldados”), o filme encontra na pintura um de seus principais diálogos. “A pintura surge no início do filme com o lendário perfil riscado a carvão por uma jovem apaixonada da sombra do rosto de seu bem-amado projetada em um muro. É o nascimento da pintura. O feminino faz seu voo pela pintura. Um delicado rosto de mulher sobrevivente de uma parede de Pompeia, uma máscara descorada do espanto vulcânico, um bosque francês antigo, desfile de quadros desconhecidos, de pintores desconhecidos, de filmes desconhecidos, em enquadramentos estratégicos, são o pigmento da trama, o infra-senso da montagem, a conversa de olhares do ontem engomado na espessura do hoje.”
Nessas imagens, as flores, os arranjos de flores, os vestidos de flores, as pinturas de flores surgem como um forte elemento. “Seu cuidado e delicadeza tem vida no drama que diante delas se desenvolve. As cores de suas pétalas dramatizam a imagem, insinuam- se pela vida. Pela vida breve, passageira, inconstante, de nossos baldios e ingratos sentimentos amorosos… Nos arranjos florais a cor das pétalas mais constante, privilegiada, é a cor roxa. Há no português falado no Brasil a expressão popular ‘roxo de ciúme’.”
A música, por sua vez, é outro elemento importante em CAPITU E O CAPÍTULO. “A trilha é feita da contribuição dos sons provenientes do instante da gravação da própria cena. Longos silêncios, pios de pássaros, passos, abalos sísmicos, trovões, castanholas, gotejar da água, roçar do vento, rangidos de madeira seca, o fervor das ondas revoltas do mar, a sonoridade de certas palavras, a sonoridade de certas imagens, cordas da viola e do violino, o samba na voz grave de Jamelão, toda essa colcha sonora de retalhos compõe a música do filme.”
Entre outras coisas, o longa ressalta a importância de Machado para a cultura brasileira, e o Brasil como um todo. “O genial escritor brasileiro, preto, nascido pobre, marcado pelo temor da epilepsia, do implacável ataque imprevisto, foi um escritor e leitor miraculoso. Leitor forte ele desborda, ultrapassa, reescreve, recria, introduz uma música de beleza nova em uma planta transplantada de outro chão”, conclui o cineasta.
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