Com a DC Comics atualmente em crise existencial, navegando por um oceano de incertezas, era esperado (e prometido!) que Adão Negro (Black Adam) reconfigurasse o DCEU, colocasse a casa de volta aos trilhos e apresentasse uma “nova hierarquia”, uma vez que o protagonista é tão poderoso e invencível quanto o próprio Superman. Porém, esperar muito de um estúdio que tem entregado tão pouco realmente frustra as expectativas. Para piorar, em um ano em que a DC deu um salto de qualidade narrativa com Batman, este filme com Dwayne Johnson soa bem mais como um retrocesso ao estilo Snyder e ao caos que foi Liga da Justiça do que uma honesta e empenhada promessa de mudança.
É de se surpreender que a Warner Bros. não aprendeu nadinha com os erros do passado e com as críticas severas. Na realidade, provou – de uma vez por todas – que é na completa bagunça e falta de coerência que seus personagens absorvem força vital para existir. E sim, apesar de não ser o objeto de análise aqui, a Marvel também se encontra em um momento cuja ambição ceifou a já rara qualidade.
Talvez seja um câncer crescente no cinema de super-heróis, talvez seja o primeiro sinal da queda do reinado desse gênero nas telas ou talvez seja só mesmo o medo de Hollywood de reinventar uma fórmula já conhecida pelo público. Uma coisa é certa: a união dessa ausência de coragem e criatividade entrega tão pouco de algo tão divertido. Não adianta se apoiar no carisma de The Rock quando nada mais funciona.
A trama e o elenco
Após uma introdução que se passa há milênios no passado – em que vemos mais sobre como Adão adquiriu seus poderes e sua origem em uma civilização do oriente médio – o enredo de Adão Negro se alimenta de inúmeras referências à outros filmes de ação para construir uma história praticamente sem inspiração alguma, feita sob medida pela demanda do gênero. Pela terceira vez, temos Amanda Waller (Viola Davis) montando uma super-equipe para enfrentar uma “ameaça”, só que dessa vez o tal vilão é o próprio Adão, com seu descontrole de raiva e tendência a assassinar os bandidos durante as lutas de CGI, em que vira um enorme bonecão de computação.
Ainda sem entender como foi revivido tantos anos depois de ter sido aprisionado numa tumba para conter sua força descomunal, o protagonista passa por uma (rasa) jornada de autodescoberta e aceitação de suas responsabilidades como um ser extremamente poderoso e, como podemos esperar, renasce como o super-herói dos oprimidos em um país dominado por opressores estrangeiros. Dessa forma, ainda que tenha em mãos todas as ferramentas essenciais para construir um filme de origem inspirado, troca sua força por um caos desenfreado de ritmo, que desperdiça até mesmo a interessante iniciativa de apresentar os poderes dos novos heróis antes de suas origens.
Para enfrentar (ou tentar) The Rock, Waller convoca a chamada Sociedade da Justiça, formada pelo arrogante Gavião Negro (Aldis Hodge), pela quase inútil Cyclone (Quintessa Swindell), pelo irritante Esmaga-Átomo (Noah Centineo) e o Doutor Estranho da DC, Doutor Destino, vivido pelo marcante Pierce Brosnan. Um quarteto disfuncional que preza pelo heroísmo acima de tudo, mas que provoca mais caos e destruição do que qualquer coisa. Aliás, pelo extermínio que causam na cidade, é de se esperar que sejam mesmo odiados. E com pouca química e quase nada de profundidade, Adão Negro deixa as relações de lado e se rende ao que veio fazer: sequências de ação carregadas de computação gráfica e lutas surrealistas entre seres praticamente indestrutíveis que transformam o cenário em pedra e poeira.
E certamente este é um dos grandes problemas dos filmes da DC: seus heróis são impenetráveis. Não tememos por suas vidas pois eles são superiores aos conflitos que os cercam. Enquanto a Marvel subtrai poderes para deixar todos mais “humanos”, a DC eleva o nível ao máximo e isso é horrível para a nossa construção de empatia por esses personagens. São deuses na Terra e nada pode detê-los.
Adão, por exemplo, é o novo Superman. Sua única fraqueza existe nas lembranças do passado. Preso na persona de sempre, Dwayne Johnson até que compõe bem o cara durão e sem expressão, quase que um robô com poderes (Henry Cavill, temos visitas!). Seu carisma ajuda no senso de humor ácido do protagonista anti-herói, ainda que as piadas sejam absolutamente genéricas e forçadas.
Além disso, é preciso dizer também o quão incrivelmente estranho é para este filme ignorar completamente o fato de que o personagem está intrinsecamente ligado ao Shazam de Zachary Levi – a ponto de os dois compartilharem os mesmos poderes, palavra de transformação e logo de raio no peito – e, em vez disso, fazer várias referências ao Superman como um rival. Não faz o menor sentido, mas certamente buscar sentido aqui não é o melhor caminho.
A direção
É difícil de acreditar que Adão Negro não tem um dedinho sequer de Zack Snyder, já que o trabalho de direção de Jaume Collet-Serra (A Órfã) replica sua assinatura e todos os elementos que o homem por trás da bagunça de Liga da Justiça tanto gosta de fazer. Sem dúvida, a pior coisa deste filme é seu ritmo desenfreado, que pula de uma cena para outra sem qualquer introdução ou mesmo desenvolvimento. O roteiro derivado de outras obras e folgado demais para ser engenhoso cria um contexto mecânico, repetitivo, abarrotado de personagens unidimensionais, excessos e um exagero de slow motion tão absurdo, que cansa os olhos. Até em cenas de diálogos vemos a câmera lenta agir, é grotesco.
Além disso, por mais que seja praticamente todo rodado em fundo verde, a qualidade dos efeitos tem deslizes, ainda que não seja lá um grande problema. O filtro amarelado – para simular o calor do oriente médio – e os uniformes dourados dos heróis são bonitos na tela, especialmente as cenas com o Doutor Destino. Visivelmente a equipe de design fez um bom trabalho em todos os departamentos, assim como a trilha sonora divertida e repleta de clássicos. Por de trás de tanto CGI, o roteiro guarda algumas mensagens bem-intencionadas, que infelizmente chegam diluídas ao público. No entanto, a violência é grande e deve agradar quem gosta de anti-heróis sem escrúpulos, já que o vilão (vivido por Marwan Kenzari) é uma versão ainda pior e mais ridícula do que foi o Lobo da Estepe (Ciarán Hinds).
Conclusão
Esqueça a qualidade de Batman, a DC retrocede ao que faz de pior com Adão Negro. Aquela promessa de mudança, de retornar aos trilhos e criar uma nova “hierarquia”, estabelecida pela chegada do anti-herói nas telas, foi o mais puro marketing barato. O filme, estrelado pelo engessado (porém carismático!) Dwayne Johnson, eleva ao quadrado o caos de Liga da Justiça e replica os mesmos erros estúpidos do passado.
Roteiro derivado, personagens não desenvolvidos e uma direção absolutamente cansativa, repetitiva e viciada em colocar slow motion a cada 10 segundos, fazem deste um grande desperdício de potencial dentre os filmes recentes de super-heróis. Como entretenimento superficial, funciona nas sequências desenfreadas de ação, feitas com rios e mais rios de CGI, mas a trama não vai além do óbvio. É tanto exagero na tela que se torna difícil se divertir com a chegada desse personagem tão fantástico e magnético. Mais uma vez, a DC provando que o raio de sorte e excelência não cai duas vezes no mesmo ano.
NOTA: 4/10
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