Coprodução Franco-brasileira, La Parle, tem estreia mundial em Outubro

Tudo começou na residência artística Les Ateliers du Cinéma, promovida pelo cineasta francês Claude Lelouch, vencedor da Palma de Ouro e do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro por “Um Homem, Uma Mulher”. Gabriela Boeri, a única brasileira da residência, que acontece ao longo de um ano em Beaune (França), conheceu lá Fanny Boldini, Kevin Vanstaen e Simon Boulier, e juntos fizeram o longa de ficção LA PARLE. O filme terá sua première mundial no Festival International du Film de Saint-Jean-de-Luz, na França, que acontece entre 03 e 09 de outubro.

Produzido pelas brasileiras Claraluz Filmes e Kinoteka, em parceria com a francesa Les Films Bleus, o longa será lançado nos cinemas pela Pandora Filmes, e foi filmado quase inteiramente com iPhones. “O iPhone nos deu mobilidade para viver ao invés de atuar. Queríamos explorar esse aparelho que as pessoas usam para gravar constantemente, das coisas mais insignificantes aos grandes eventos. Como estão todos, o tempo todo, com seus celulares, a gente passava despercebido durante as filmagens. Isso contribuiu para o tom documental da narrativa. Assumimos as imperfeições da imagem e também das nossas vidas, buscando transformar o ordinário em extraordinário“, explica Gabriela.

Além de dirigir, o quarteto também assina o roteiro e atua no filme, realizado em três momentos entre 2018 e 2020. Entre cada uma delas, o grupo montava o que já tinha sido filmado, e reescrevia o roteiro.

Tínhamos um roteiro inicial, que foi nosso ponto de partida. Compartilhamos questões e conflitos reais das nossas vidas e a partir deles escrevemos uma ficção. Conforme fomos filmando e montando as cenas, também fomos alterando essa base e incorporando as transformações que estávamos vivendo. Como nunca tínhamos atuado, os conflitos reais nos ajudaram muito na interpretação das cenas de ficção. Essa mistura de realidade e ficção é a essência da narrativa. O fato de sermos os protagonistas e de termos filmado com o celular também faz parte da gramática desse roteiro.”

No longa, Fanny, Kevin e Simon se juntam à Gabriela para passar as férias de verão na costa basca francesa. O lugar é famoso por reunir pessoas ao redor de La Parle, uma onda que, de acordo com a tradição local, revira sentimentos e traz resoluções. Enquanto Fanny precisa lidar com a iminência de um exame médico, Gabriela, longe de sua família no Brasil, questiona seu futuro. Kevin tenta se ocupar com o trabalho, mas sua mente está em outro lugar. Simon, por sua vez, apenas quer que o grupo se divirta.

O quarteto de diretores se conheceu na residência, embora não tivessem participado do ateliê no mesmo momento, mas se aproximaram ainda mais quando estavam na pré-produção de um filme do próprio Lelouch – uma atividade que faz parte do programa. Todos faziam parte da equipe, cada um com uma função diferente

A escolha pelo iPhone como ferramenta partiu de uma experiência no ateliê, com o Lelouch. “Ele resolveu projetar no cinema da residência uma mesma cena filmada com câmeras diferentes, dentre elas a câmera do iPhone. Ele, que já filmou com todas as câmeras do mundo, comentou que não queria que a câmera do celular fosse manipulada até parecer uma Alexa. Ele estava interessado nessa textura diferente e na emoção que ela gera.”

Ela conta que o quarteto ficou muito impactado, e, naquela noite, decidiu que faria um filme juntos. “A textura das imagens filmadas com o celular são a emoção do nosso tempo. Aquilo que vemos como defeito também faz parte dessa linguagem. Como podemos incorporar isso numa narrativa onde o público possa se identificar de forma íntima e direta?

Gabriela ressalta que o encontro com os produtores brasileiros, Fernando Sapelli e Carolina Heller, permitiu que o filme crescesse. “LA PARLE foi inteiramente filmado num país que valoriza o cinema, e que entende a importância da cultura para construção de qualquer nação. Durante esse período, o Brasil sofreu ataques e cortes de um governo que não só não valoriza a cultura, como tem um projeto que inviabiliza o nascimento de novos talentos.”

Sapelli conta que chegou ao filme durante uma viagem de Gabriela ao Brasil, que lhe apresentou o material já filmado, e ele percebeu que havia algo de muito especial ali. “Acompanhei presencialmente apenas uma parte das filmagens. Já toda a edição e pós-produção aconteceram remotamente por conta da pandemia. Foi um desafio conseguir ter essa comunicação fluída, essencial para o processo, mas o resultado final é fruto de todos esses encontros de experiências de vidas diversas.”

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