Crítica | Trem-Bala – Assassinato no expresso do insuficiente 

Trem é um veículo que se mantém no imaginário do cinema desde a sua origem. Nesses quase 130 anos de evolução cinematográfica, a fixação por histórias com trens passaram de um mero registro da chegada de uma locomotiva à estação, para ser o palco de um desenfreado filme de ação de 2 horas com Brad Pitt, ou seja, bota evolução nisso. Agora, já o cinema hollywoodiano parece eternamente aprisionado na mesma fórmula de sucesso de sempre. Sem tirar nem pôr, os filmes atuais dão voltas e mais voltas em torno de um trilho que já visitamos antes. E essa insegurança de trilhar um caminho próprio faz de Trem-Bala (Bullet Train), só mais um passeio caro em meio à tantos outros.  

E se não bastasse o desfile de celebridades – muitas delas fazem participações totalmente descartáveis – o longa, estrelado pelo carismático Pitt, dá um nó em sua trama para construir uma aventura de ação que enrola o público e entrega uma fração do que prometia fazer. Porém, por não se levar tão à sério e ceder ao senso de humor exaustivo – como um bom e velho filme da Marvel – ganha pontos no entretenimento e até distrai, especialmente quando amarra de forma criativa os inúmeros pontos do roteiro.  

A trama e o elenco  

Trem-Bala é um ótimo produto para exemplificar o uso do dispositivo de roteiro “MacGuffin” em um filme. Toda sua história é movida por um objeto desejado, que motiva a jornada rasa dos personagens, mas que, na realidade, não faz a menor diferença dentro da trama. Seja uma maleta misteriosa ou um desejo de vingança, todas as camadas do roteiro que movem a narrativa pra frente são apenas uma desculpa esfarrapada para construir o filme em torno de um trem-bala em movimento, repleto de assassinos poderosos e dramas de família. E o cool pelo cool só funciona quando toda essa tramoia é ambientada no estiloso e neon Japão. Ou seja, se chutar uma árvore de Hollywood, caem muitos filmes semelhantes e alguns até mais empolgantes.

Mas Trem-Bala conhece seu público-alvo e sabe o que funciona no gênero, entregando assim sequências de ação bem coreografadas, alucinadas e recheadas de senso de humor para contar a aventura de Joaninha (Brad Pitt), um assassino de aluguel azarado que está decidido a fazer apenas mais um trabalho de forma tranquila depois de ter passado por tantos outros que saíram do seu controle.

O destino, entretanto, tem outros planos; e a última missão de Joaninha o coloca em rota direta de colisão com adversários letais vindos; todos com objetivos conflitantes, porém conectados; no trem mais rápido do mundo – e ele precisa encontrar uma maneira de desembarcar e seguir sua vida. E o que começa com a promessa de selvageria, acaba por ser aproximar bem mais de um Deadpool genérico do que um John Wick.

Pitt, por sua vez, é um poço de carisma e entrega um protagonista naturalmente hilário, que precisa competir com o senso de humor pastelão dos demais personagens. A capacidade do astro de reforçar suas sequências de ação com risadas faz toda a diferença. Por outro lado, Aaron Taylor-Johnson (Kick-Ass – Quebrando Tudo) e Brian Tyree Henry (Eternos) como Tangerina e Limão – dois irmãos assassinos – parece destoar da tão importante seriedade que a história merecia em certos pontos.

A dupla, assim como a personagem dissimulada da Joey King (Barraca do Beijo), preenche as lacunas da trama, mas não são fortes o suficiente para fazer com que nos importemos com seus dilemas e conflitos. Isso e mais uma tonelada de subtramas paralelas sendo desenvolvidas ao mesmo tempo, por vezes distancia o espectador de sentir qualquer coisa além de ansiedade pelo tão prometido clímax. Que infelizmente conta com um vilão fraquíssimo.

A direção  

É inegável que David Leitch (de Deadpool 2 e Atômica) tem estilo próprio e sabe muito bem dosar o humor com a ação. Ainda que essa possivelmente seja sua obra mais genérica, o diretor incorpora a comédia de adereços à tão divertida violência gráfica, repleta de brutalidade e sangue que jorra na tela. A influência dos filmes japoneses da yakuza não se perde, além das fontes de texto na tela e brilho neon que dão estilo. Leitch usa e abusa da estética e tenta ao máximo fazer um Kill Bill para chamar de seu.

Se por um lado o roteiro é impressionantemente amarrado e não deixa pontas soltas, por outro a direção parece levemente perdida com tanta história rolando ao mesmo tempo, especialmente quando sai do trem para explorar o passado de algum personagem irrelevante. Se trocar o mistério do assassinato pelo mistério do motivo de ter tanto assassino junto num trem só, a sensação é de que estamos assistindo uma versão alternativa (e mais animada, confesso) de Assassinato no Expresso do Oriente. Pelo menos a suspensão da descrença é a mesma.  

Conclusão  

Apesar da ação consistente – que é o que o público veio buscar – Trem-Bala segue desgovernado rumo ao mais do mesmo. Repleto de exageros e falação, o longa se estende demais na comédia e acaba por não se levar tão à sério, mesmo quando a viagem prometia um passeio mais criativo e autêntico. Com exceção do carisma evidente de Brad Pitt e algumas sequências de ação carregadas de estilo, a passagem está cara demais para valer o investimento. Hollywood percebe que o público embarcou nesse trem genérico e dificilmente vai desacelerar.

NOTA: 6/10

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