Há algo realmente extraordinário na execução de Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo (Everything Everywhere All at Once) que o leva onde a maioria dos filmes não ousaria ir. A obra da queridinha dos cults A24, que chega ao Brasil através da Diamond Films, conduz o espectador à uma experiência cinematográfica surrealista, existencialista e que se torna estranhamente atraente. O motivo? Trabalha a conexão humana de uma forma absolutamente original e surpreendente ao lidar com questões sobre o multiverso e as diferentes versão de nós mesmos que poderia existir por aí.
Apesar de ser o assunto do momento, afinal, sobre o que se trata o multiverso e qual sua real significância para uma história? Muito além de entregar versões alternativas de super-heróis, o conceito é poderoso quando aplicado ao mais simples e básico: uma metáfora. Fazer uma reflexão sobre os caminhos que a vida nos leva e como tudo poderia ser diferente caso tomássemos outras decisões ao longo da nossa trajetória nesse planetinha chamado Terra em uma vasta e infinita galáxia de possibilidades. E essa fantasia com artes marciais é selvagem, é cruel e dolorosamente honesta sobre a raiva, o tédio e o cinismo de se estar vivo.
A trama e o elenco
O roteiro inteligentíssimo de Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo – de longe um dos melhores da história do cinema – não apenas questiona os valores da vida e da família por um olhar inquietante, como também olha para o abismo, para o fundo do poço que podemos chegar, e busca as razões pelas quais as pessoas surtam no cotidiano. A trama se desenrola em alta velocidade – como um choque elétrico que passa por nosso corpo para que só depois de alguns segundos possamos pensar sobre o que sentimos – e acompanha Evelyn Wang (vivida pela fantástica Michelle Yeoh), uma imigrante chinesa sobrecarregada que possui uma lavanderia com seu doce marido Waymond (Ke Huy Quan), mas mal tem tempo para ele ou sua filha adulta frustrada Joy (Stephanie Hsu).
Dentro dessa rotina exaustiva para manter seu ganha-pão, dar afeto à sua família e ainda conseguir um tempo para si mesma, Evelyn parece ter desistido de alimentar os laços amorosos que possui, a ternura dos que a cercam. Ela literalmente não suporta mais tanta pressão. Ou quem sabe deseja ter uma vida completamente diferente. Em determinado ponto, recebe uma visita bizarra de seu marido (uma versão dele de outro universo) e descobre que ela é a chave para combater um grande mal que ameaça todo o multiverso. (Wanda, temos visita!)
Ao aceitar a aventura por entre mundos distintos, no melhor estilo Doutor Estranho, o filme ganha proporções imensas, com sequências criativas, cômicas e exageradas para viajar pelas loucas linhas temporais. Os mundos que Evelyn acessa são hilários, desesperadores ou estranhos, mas nenhum deles a desafia tanto quanto as coisas que ela deixou de entender sobre si mesma, sua família e seu próprio passado. Para completar a maestria, o elenco é simplesmente estelar. Michelle Yeoh (Shang-Chi) brilha radiante em seu papel mais imersivo até então, mas Hsu, Quan e Jamie Lee Curtis (Halloween), é claro, estão à altura dos desafios profundamente estranhos do filme.
A direção e o roteiro
Como já citado, Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo é um filme com ritmo desenfreado, por vezes sem fôlego e confuso pelo seu vai e vem de narrativas, que passa de uma sequência de ação para a próxima sem longas pausas dramáticas, ainda que tenha uma massiva carga de drama contida nas margens da trama. A dupla Dan Kwan e Daniel Scheinert (Um Cadáver Para Sobreviver) mergulha na emoção, nos detalhes imperceptíveis e no carisma das personagens para desenvolver essa atmosfera que parece estar sempre em expansão.
É um drama familiar sobre maternidade, mas também é um filme de luta com inspirações chinesas e ainda há espaço para ser uma enorme palhaçada surrealista onde pessoas possuem mãos de salsichas. Mas, na sua essência, é uma história sobre escolhas, sobre oportunidades desperdiçadas. E para dar emoção ao jantar bem-servido, os cineastas apelam para metáforas criativas e diálogos doces e afiados que cortam o coração, tudo isso entre uma de sequências de ação ridiculamente incrível – onde literalmente tudo é possível, porque os personagens não são limitados pela realidade – e outra bizarramente cômica.
O multiverso permite ao cinema uma brincadeira divertida, uma licença poética que empolga e que funciona dentro dos conceitos audiovisuais. Aqui, nessa história, os personagens podem mudar de corpo, figurinos e habilidades em tempo real, de maneiras visualmente deslumbrantes e até avassaladoras. A trilha intensa, os efeitos especiais e as decisões visuais são impecáveis. Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo possui ótimo senso de humor e brinca com tropos da cultura pop e de filmes de ficção científica como Matrix (Evelyn descobre, do nada, que sabe lutar Kung Fu) e O Exterminador do Futuro. Ao menos soa tão ambicioso e revolucionário quanto esses dois.
Conclusão
De fato, ninguém mais quer fazer filmes ambiciosos e originais como Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo, nem mesmo em um multiverso de possibilidades infinitas. Talvez, por conta disso, este seja uma experiência cinematográfica tão única, uma obra-prima da criatividade que funciona em qualquer universo, seja ele louco ou não.
É uma confusão, mas também é uma doçura e uma maluquice sem igual. É tudo isso ao mesmo tempo, que penetra bem fundo tudo, em todos os lugares, do nosso coração. Os mundos entram em colapso enquanto nós assistimos um diálogo existencialista entre duas pedras. Se isso não é genial, não sei mais o que é. Sem dúvida, um daqueles filmes que possui o poder de nos mudar e que deve ser um clássico cult daqui para frente.
NOTA: 10/10
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