É, pelo visto esse é mesmo o ano de histórias multiversais. E num mundo já abarrotado de reboots e crossovers, o live-action Tico e Teco: Defensores da Lei (Chip ‘n Dale: Rescue Rangers), lançado pelo Disney+, é a surpresa refrescante que não estávamos esperando. Apesar de funcionar entre os dois mundos, sua trama ácida e certeira vai contra a corrente da preguiça hollywoodiana e se prova uma celebração alegre, uma carta de amor ao cinema animado, mas que também mexe com a cultura pop como poucas outras ousam fazer. Especialmente as da Disney.
A direção e a trama
O diretor Akiva Schaffer (Lonely Island e os Irmãos Bash) e os roteiristas de How I Met Your Mother, Dan Gregor e Doug Mand, transformam o que poderia ser um conceito cansado em um que traz de volta a emoção das animações clássicas e datadas da infância, tudo isso para dentro de um filme carregado de criatividade e uma dose cavalar de licença poética. O enredo, por si só, é relativamente simples e direto, mas isso só abre ainda mais espaço para que as piadas travessas – sobre o mundo das animações – possam brilhar com naturalidade.
Tico e Teco começa quando os esquilos animados Tico (dublado por John Mulaney) e Teco (Andy Samberg) se reúnem anos depois que sua popular série animada foi cancelada pela emissora. Tico deixou o show business para trás e agora trabalha como agente de seguros, enquanto Teco continua em turnê pelo circuito de convenções da cultura pop, ainda esperando sua grande chance de brilhar. A amizade deles desmoronou quando Teco tentou fazer um projeto solo, o que lhes custou o fim da série em dupla, e eles não se falam há anos. Porém, são chamados por seu antigo colega de elenco Monterey Jack (Eric Bana), que se meteu em uma enrascada. Quando ele desaparece de repente – junto com outros personagens de desenhos animados – cabe a dupla desvendar o mistério.
Muito semelhante ao que Uma Cilada Para Roger Rabbit faz (aliás, o filme não esconde essa inspiração), Tico e Teco se passa em um mundo onde personagens animados vivem ao lado de humanos. Ao contrário de Roger Rabbit, não há nenhuma tensão entre desenhos animados e as pessoas reais. É apenas um fato da vida que os personagens animados também são seres reais. A abordagem de explorar os bastidores do mundo televisivo e de Hollywood permanece a mesma. Tramas metalinguística estão na moda.
Essa configuração inerentemente divertida se presta a algumas ótimas piadas que funcionam que é uma beleza. Teco, por exemplo, faz uma “cirurgia CGI” para que ele possa parecer um personagem 3D moderno, em vez de um 2D desenhado à mão como Tico. Já o destino sombrio que aguarda os desenhos sequestrados envolve alterações bizarras (para evitar direitos autorais), uma vez que eles estão sendo contrabandeados com o intuito de serem estrelas de filmes piratas terríveis “inspirados” nas histórias clássicas da Disney. É pura genialidade. Muitas das perguntas óbvias sobre esse cenário são respondidas de maneiras hilárias.
Surra de easter eggs
Totalmente fiel ao gênero de “personagens animados do mundo real”, essa mistura de live-action com animação – no melhor estilo Space Jam – está repleta de aparições e easter eggs em quase todos os quadros. Pisque e você perderá meia dúzia de personagens preexistentes vagando, desde as profundezas da história da Disney até piadas bastante atuais.
Essas aparições, além de empolgantes – o que dizer da presença ilustre do Sonic Feio? – também ajudam que o filme não dependa apenas dos personagens-título. Tico e Teco traz participações especiais de todas as linhas de estúdio (e até mesmo de outros estúdios), fazendo com que pareça menos uma propaganda gratuita e mais uma verdadeira oportunidade de se divertir com esses personagens tão queridos, não importando o estilo de animação, seja em CGI, em stop-motion ou até mesmo marionetes.
No entanto, tanta coisa acontecendo no fundo atrapalha em partes o desenvolvimento da trama central. A dupla precisa deixar suas diferenças de lado para resolver o mistério e encontrar seu amigo. Naturalmente, no final, eles percebem que ainda são importantes um para o outro. Realmente não há muitas surpresas em termos de enredo, além da revelação ocasional de identidade, como a questão de quem está por trás de todo o contrabando e as motivações de um vilão curiosamente humano, com desejos reais e palpáveis, que só prova o quão corajoso esse filme é – e um pouco atrevido, claro. Certamente provoca a ira de alguns fãs mais devotados.
A mensagem final é reconfortante sobre amizade e está no mesmo nível de outros filmes de família bem realizados. Não é tão enjoativa que supere as piadas espirituosas. Pode ser difícil imaginar que tal dupla renderia algo tão esperto, com boas cenas de ação e que sabe agradar tanto o paladar das crianças quanto dos adultos, uma vez que tira sarro de reboots e crossovers sem deixar de ser um. Akiva Schaffer ri do declínio de Hollywood, mas ri com amor e respeito. O filme acaba sendo tão divertido que parte desse cinismo desaparece gradativamente. Tico e Teco é doce o suficiente para não ser totalmente mesquinho, mas não excessivamente açucarado como alguns outros filmes da Disney.
Conclusão
Sendo uma das melhores reunions do cinema desde Shrek 2, Tico e Teco: Defensores da Lei é uma animação ousada, corajosa e bastante afiada para os padrões Disney, sem dúvida a grande surpresa do ano. O filme entrega um senso de humor raro no estúdio e se torna um ótimo lembrete de como pode ser divertido reimaginar os clássicos da infância quando bem feito.
Piadas inteligentes, roteiro criativo e participações especiais justificáveis são apenas algumas das qualidades brilhantes dessa obra que ninguém sabia que precisava até assistir. Uma sátira ácida sobre o declínio de Hollywood em um filme de Tico e Teco, tem como se surpreender mais que isso? Os esquilos piadistas e ignorados por todos mostram que ainda há esperanças para o futuro do cinema de animação. Quem diria?
NOTA: 9/10
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