Crítica | Klondike: A Guerra na Ucrânia – Delicado e cru retrato da maldade humana

Com uma cinematografia bastante rica e preservada, a Ucrânia vive seu momento mais delicado atualmente com a invasão cruel da Rússia e o massacre que já é considerado a maior (e pior) guerra desde a 2ª Guerra Mundial. Na luta para preservar sua história, seu povo e, consequentemente, sua arte, o país aposta em uma produção intimista, crua e bastante brutal para expor ao mundo alheio aos acontecimentos como esse conflito começou lá em 2014, transformando-se no que vemos hoje. Em Klondike: A Guerra na Ucrânia – que chega ao Brasil através da Pandora Filmes -, somos convidados a sentar na poltrona e experimentar a angústia absurda e o medo constante de estar dentro de algo que não podemos controlar.

Com clima intenso e longos planos experimentais – que mergulham nas sensações e sentimentos das personagens – só nos resta observar até onde é capaz de ir a maldade humana.

A trama e o elenco

Embora a trama seja situada em 2014, seus eventos reverberam até hoje com a guerra na Ucrânia em andamento. No filme, Irka (Oksana Cherkashyna é uma verdadeira revelação) e Tolik (Sergey Shadrin) vivem em Donetsk, nas proximidades da fronteira entre o país e a Rússia, um território em disputa no começo da Guerra em Donbas. O casal aguarda o nascimento do primeiro filho, quando é abatido por mísseis o avião de um voo civil, que cai na região, matando quase 300 pessoas, o que só fez aumentar a tensão e deixando um rastro de tristeza e luto.

No meio desse caos e desejo de sair daquele lugar isolado e crescentemente perigoso, Irka e Tolik lutam para manter não apenas a vida, mas também o casamento, uma vez que tudo ao redor testa sua esperança de dias melhores. Obviamente que esse tema não é fácil de ser digerido – especialmente no momento atual, quando esse conflito está em proporções assustadoras – e o tom emocionalmente carregado da produção, somado ao isolamento da ambientação, proporcionam uma experiência agridoce ao espectador. Ao mesmo tempo que diálogos sonhadores flertam com a mensagem de que “a vida precisa seguir”, também nos coloca num silencioso e crítico grito de desespero que permeia por toda a obra, sendo bastante intenso no desfecho e nos deixando com a famosa “bad vibes”.

A direção

O que a diretora Maryna Er Gorbach faz é, no mínimo, brilhante. Dentro de um filme simples e direto sobre as consequências de conflitos armados e o nascimento de uma guerra eminente, ela explora diferentes aspectos de ser mulher em um contexto tão misógino e machista. E melhor que isso: como aceitar ser mãe e colocar uma criança num mundo tão perverso assim? Um contraponto interessante entre nascimento e morte. Seu olhar é íntimo e arrebatador. Durante a condução, deixa a câmera captar todas as minúsculas nuances daquele lugar quente e solitário, assim como a atmosfera de medo constante, a crise no casamento e a dor de não saber para onde fugir, quase como um caos interno de uma mulher personificado num filme de guerra.

No entanto, obviamente Klondike: A Guerra na Ucrânia é um filme carregado de política, reflexão e feito para ser observado, digerido na lentidão de um café, sendo assim, não há pressa da direção e muito menos do roteiro, já que tudo se passa em apenas um único cenário e com poucos personagens. O ritmo é lentíssimo e isso, por si só, cria uma barreira no público que já pode achar esse assunto pesado ou mesmo complexo. Mesmo sabendo com convicção onde deseja chegar, o roteiro dá voltas e mais voltas pelo caminho em prol de extrair ao máximo a atmosfera densa da situação e a falta de alegria do casal. Ainda assim, apesar de longas, as tomadas são incrivelmente realistas, algo que dá ao elenco performances impactantes, honestas e convincentes nível documentário, fora o som direto e a fotografia solar, para reforçar o ar de lembrança.

Conclusão

Assim como as guerras, Klondike: A Guerra na Ucrânia não é fácil de digerir. A produção nos coloca em um lugar intenso e sombrio, muito por conta de sua honestidade crua ao oferecer uma visão brutal da situação política entre Ucrânia e Rússia, tudo através das lentes de um casal lutando para continuar vivo no caos.

Apesar do ritmo arrastado, o choque de realidade – ainda que doloroso – precisa ser encarado de frente e nada melhor do que o cinema para nos acomodar na fria poltrona da realidade desesperadora. Extremamente atual, urgente e carregado de emoção, a trama intimista vai ficar com você por muito tempo, no mesmo nível que a sensação de que precisamos ser pessoas melhores antes de seja tarde demais. Ou será que já é?

NOTA: 8/10


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