Maternidade tem sido um tema recorrente no cinema de drama atual, inclusive, alcançando o Oscar com o ótimo A Filha Perdida (Netflix). Sem dúvida, a complexidade de gerar e ter que cuidar de uma vida serve de palco para histórias intimistas que, se feitas por um olhar aguçado, rendem filmes que grudam em nossa memória por um tempo, como é o caso de Mar de Dentro – drama brasileiro estrelado por Monica Iozzi.
Direto ao ponto e sem grandes firulas, Mar de Dentro aborda a falta de sintonia de uma mãe com seu filho, desde o momento em que descobre a gravidez não planejada até o nascimento da criança. Sua carreira, suas amizades e seus planos de vida são colocados de lado para que ela possa assumir um papel imposto pela sociedade, porém, algo que está longe de ser seu maior desejo no momento. Desse enredo, nuances de angústia e medo provocam uma verdadeira tempestade em seu oceano de expectativas.
A trama e o elenco
Certamente, por falta de um orçamento maior, grande parte da produção é simplista e sua força está mesmo na forma como o tema é retratado pelo roteiro, direção e, claro, pela atuação de Monica Iozzi, que sustenta a história (e o peso da protagonista) nas costas do começo ao fim, provando que é tão excelente no drama quanto é na comédia, como bem sabemos. A atriz entrega uma personagem densa e complexa, por vezes triste e solitária, por vezes temerosa pelos desafios que estão por vir quando descobre que está grávida e ser definitivamente mãe não fazia parte de seus objetivos.
Iozzi é uma estrela completa. Com poucos diálogos e muitas expressões, faz a jornada emocional valer à pena e nos convence do quão comum é aquela situação e como esse fato muda o curso de uma mulher.
Além de questões sobre maternidade precoce, o olhar da direção desenvolve um ambiente bastante melancólico e reflexivo sobre diversos outros assuntos pontuais na vida de uma pessoa, em especial, de uma mulher, como a temida crise dos 30, a cobrança para ser mãe enquanto ainda é jovem, a pressão da sociedade em cima de seus relacionamentos, solidão e luto – no melhor estilo A Pior Pessoa do Mundo (só que sem senso de humor!).
Manuela passa de uma jovem enérgica para uma pessoa em crise existencial, tendo que dar prioridade para um filho que nunca desejou ter, no lugar de sua ascensão social. E isso o mundo real não mostra, felizmente, o cinema toca em feridas destemidas. Já o pai da criança e interesse amoroso da protagonista – vivido por Rafael Losso – não tem sua vida afetada pela mudança repentina de rumo e, por uma tragédia inesperada, acaba por colocar Manuela na estatística de mãe solo.
A direção
A riqueza de Mar de Dentro está exatamente nessa atmosfera deprimida que a direção da porto-alegrense Dainara Toffoli constrói, como se toda a trama se passasse num barco no meio de uma tempestade turbulenta no mar. Prestes a afundar de vez, a protagonista luta para se manter forte quando não faz a menor ideia de como nadar nesse oceano de incertezas que é ser mãe. Por outro lado, sua condução é lenta, sem pressa e extremamente contemplativa. Ainda que funcione dentro da premissa, a falta de ritmo deve afastar alguns públicos que desejam mais energia.
Além disso, a progressão da história é apressada e a obra abrange apenas o recorte de uma fase da vida da personagem e, com todos os holofotes do roteiro apenas centrado nesse fato específico, falta substância na construção da emoção e no desenvolvimento de algumas subtramas que serviriam para deixar a principal ainda mais rica em qualidade.
De qualquer forma, a diretora cria uma relação poderosa entre o luto e o nascimento e abraça questões femininas com tanta maestria, sensibilidade e intimidade, que se torna uma narrativa também de fácil acesso para todos os públicos, incluindo o masculino. As alfinetadas são sensacionais. Por fim, o desfecho é belíssimo e mostra que, mesmo na pior das tempestades em alto mar, tudo eventualmente se dissolve na água. Como na maternidade, o tempo cura todos os medos. Uma jornada difícil e sem esperança, que encerra com um surpreendente tom de otimismo.
Conclusão
E como um temporal em alto mar, Mar de Dentro é um drama simples e honesto sobre as turbulências de ser mãe e como o peso desse fardo é sufocante. Não é um filme sobre as dificuldades da maternidade em si, mas sim, sobre a falta de conexão, desejo e planejamento de uma mulher que – ao contrário do que a sociedade impõe – não nasceu para ser mãe. Monica Iozzi brilha intensamente como um sol atrás dessa tormenta.
Porém, o ritmo lento da narrativa e a direção contemplativa exigem do público mais envolvimento que os dramas comuns, algo que pode provocar tédio em quem busca mais ânimo. De qualquer modo, é um filme brilhante e que se sai muito bem em fazer algo sincero, direto ao ponto e corajoso, afinal, trata-se de um tema delicado e controverso para quem tem olhar conservador. Um filho pode sim trazer medo, mas também traz propósito. E o caos interno sempre rende histórias autênticas.
NOTA: 8/10
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