Crítica | ‘A Pior Pessoa do Mundo’ num dos melhores dramas românticos do cinema

O tempo está correndo para todos nós. Mas, para uma mulher, parece que esse relógio marcha ainda mais apressado, fruto de uma pressão assustadora imposta pela sociedade. Tic Tac… você precisa casar o quanto antes… Tic Tac… você precisa ser mãe… Tic Tac… você não é mais tão bonita assim… E, dessa cobrança constante pela perfeição inexistente e a luta contra o envelhecimento, nasce um desespero que só quem vive deve saber. Mas, felizmente, quem não vive pode ter uma fração da ideia de como é através do roteiro angustiante e extremamente sincero de A Pior Pessoa do Mundo (The Worst Person In The World), filme indicado ao Oscar 2022 e que chega ao Brasil através da Diamond Films.

O drama – repleto de sentimento e de partir o coração até mesmo dos mais fortes – mergulha nas profundezas das relações humanas e da crise dos 30 anos na vida de uma mulher que, naturalmente, ainda busca seu lugar no mundo. Esse retrato honesto e desconfortante de assistir – afinal, é alguém tomando decisões difíceis, que muitas vezes nosso próprio conformismo não nos permite tomar – cutuca bem fundo e provoca reflexões sobre nós mesmos e nossas escolhas ao longo da única vida que temos. A sensação agridoce da perda gradativa do amor por alguém faz desse um dos melhores dramas românticos da última década com facilidade.

A trama e o elenco

Mas, o que pouca gente sabe que a produção é, na realidade, a “conclusão” do diretor Joachim Trier para sua chamada “Trilogia de Oslo”, após Reprise (2006) e Oslo, 31 de agosto (2011). Filmes com histórias diferentes mas que compartilham dos mesmos assuntos e elenco. Dessa vez, para um desfecho com classe, a trama não poderia ser mais simples e direta. Dividida em 14 capítulos (incluindo um prólogo e um epílogo), acompanha Julie (vivida pela vencedora de Cannes Renate Reinsve), uma estudante de medicina em Oslo que se sente cada vez mais insatisfeita e distraída com sua rotina.

Ela tem uma percepção de que o que precisa mesmo é de uma mudança drástica, então, ela muda de curso. Depois de um caso com seu professor, ela muda de carreira novamente – mas em vez de se transferir para um programa diferente, ela abandona os estudos, usando esse dinheiro para comprar equipamentos necessários para viver como fotógrafa. E tudo isso ocorre no Prólogo, estabelecendo como Julie se sente tão presa a tudo e nada ao mesmo tempo com apenas 29 anos.

Essa estrutura episódica ajuda o filme a subverter as convenções da comédia romântica tradicional, sem sacrificar o drama de relacionamento convincente, ou seja, é um filme “inteligente “, mas ainda bastante identificável e que lembra obras mainstream como (500) Dias com Ela ou quem sabe a Trilogia Before. Todos os elementos clássicos estão presentes, mas feitos com um elevado nível de consciência e fidelidade ao realismo, afinal, todos nós já nos interessamos por alguém desconhecido em alguma festa, todos nós já questionamos se estamos no caminho certo ou se há alguma maneira de sair da zona de conforto, desprender da responsabilidade emocional e dar um verdadeiro reboot em nossa vida. Não é mesmo?

A Pior Pessoa do Mundo se aproveita disso e nos apresenta uma protagonista que navega entre a mocinha e vilã de sua própria vida, pois se sente dessa forma por não estar plenamente satisfeita com o mínimo que recebe dos homens, das amizades e das relações pessoais em geral. Julie é fácil de odiar e, inicialmente, o roteiro nos apresenta uma personagem amarga e infeliz, mesmo ao lado de “pessoas incríveis”, porém, com o desenrolar da trama, notamos que ela acredita ser a coadjuvante de sua própria história e isso a coloca num turbilhão de sentimentos retraídos.

A narrativa se concentra exatamente nessa jornada pessoal da protagonista, atraindo o público para o caótico mundo interior de Julie e gradualmente revelando – e depois descascando – sua máscara de feminilidade idealizada. Quando o filme começa, ela está em uma silenciosa crise existencial, no entanto, à medida que seu aniversário de 30 anos se aproxima, Julie fica angustiada, melancólica e assustada por não ter alcançado seus objetivos. A performance encantadora de Renate Reinsve, claro, evidencia todas essas nuances com maestria. Anders Danielsen Lie (A Noite Devorou o Mundo) também rouba a cena.

A direção

Há tanto acontecendo por trás da juventude desse século que chega ser complexo definir o que pesa mais. Desde mudanças climáticas, incertezas sobre o futuro do planeta e uma total reconfiguração na forma como a sociedade lida com questões sociais, diversidade e relações amorosas, até o uso desenfreado da tecnologia para “simplificar” relacionamentos, o roteiro de A Pior Pessoa do Mundo joga o anzol e fisga problemas universais, muito bem desenvolvidos pela condução cirúrgica do excelente Joachim Trier.

Esse conflito de gerações é a lenha que alimenta as chamas da trama e faz refletir sobre o processo de estar envelhecendo num mundo que não parece mais se importar com você, já que há uma nova geração fresquinha para ser o centro da conversa. Talvez não estejamos preparados para essa substituição e só nos damos conta disso aos 30 anos. Dessa forma, a obra de Trier é uma delícia de assistir, do começo ao fim. Apesar do conteúdo um tanto sombrio para o gênero, a trama – com uma energia sexy incontrolável – irradia esperança, amor e até otimismo.

Conclusão

Inteligentemente progressista, A Pior Pessoa do Mundo é sobre o tempo que não volta, sobre as incertezas da vida. O filme possui nuances de Bergman e Almodóvar, mas grita singularidade e habita a rara zona de obras destemidas, potentes e profundas sobre a asfixiante crise dos 30 anos. Um filme tão honesto e agridoce quanto sua protagonista imperfeita e o mundo que a devora.

Mesmo com a trama que se desdobra em seu próprio tempo e exige identificação para funcionar plenamente, essa mistura de comédia sombria com romance oferece ao público uma sessão de terapia, por vezes dolorosa, que prova que a vida é uma lição em andamento e constantemente modificável. Como se um trem cargueiro passasse por cima de nós – no melhor sentido possível. Esse, sem dúvida, ficará com você para sempre.

NOTA: 10/10


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