Crítica | Batman mostra sua melhor versão cinematográfica já vista

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Depois que o Universo DC tentou repetir a fórmula Marvel e amarrar todas as suas franquias de super-heróis, colocando em tela seus principais personagens no meio de um conflito criativo constante entre diretores e a Warner Bros., eis que Batman surge para consolidar uma nova era cinematográfica na representação dos personagens da DC Comics. A mesma ideia teve seu pontapé inicial com Coringa, de Todd Phillips, que propunha um estudo de personagem completamente à parte do universo já consolidado da DC. Agora, com total liberdade criativa, Matt Reeves apresenta um suspense noir do Batman por meio de uma carta de amor aos quadrinhos e mostra um estudo de personagem do maior detetive do mundo, entregando a melhor versão do personagem.

A trama de Batman começa acompanhando o herói encapuzado em seu segundo ano e já apresenta logo nos primeiros minutos do filme (incríveis, por sinal) a lenda urbana que ele é entre criminosos. Batman é, pelo menos no início da história, uma criatura que serve para amedrontar e marcar os criminosos de Gotham, deixando claro que a cidade pode até estar perdida, mas a noite pertence a ele. Nesta nova versão, ele precisa investigar uma série de assassinatos pelos quais um homem que se autodenomina como Charada é o responsável, e tentar entender o plano do vilão, que está em uma jornada para expor homens poderosos e corruptos da cidade.

O Maior Detetive do Mundo e Suas Influências

Desde o primeiro minuto do filme, o suspense noir de Matt Reeves tem peso e já demonstra como este universo se trata realmente de uma versão mais sombria, complexa e realista desses personagens. O diretor cria uma ótima história de investigação e monta, durante toda a narrativa, um quebra-cabeça perfeito e interligado que leva o Batman (e o espectador) a entender que Gotham é construída a partir da corrupção e da vista grossa de homens brancos privilegiados (fala da própria Selina Kyle) – com influências claras de Todos Os Homens do Presidente.

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Falando em influências, Seven também é um dos materiais que Reeves usa para a criação deste novo universo. Tanto no visual, com quadros que possuem muito contraste, quanto também na forma de seguir o personagem com a câmera, quase de uma forma hitchcockiana, fazendo com que Batman seja um filme de investigação que segue o ponto de vista do herói em praticamente todas as suas cenas – é o primeiro longa do morcego em que ele realmente parece ser o foco da narrativa e não apenas um elemento extra da própria história. Isso torna toda a experiência mais imersiva: desde os momentos em que o Batman está investigando as cenas do crime até quando ele precisa escapar de algum lugar e sair planando pela cidade – a câmera sempre o acompanha de perto, o deixando no centro do enquadramento, ou mostrando aquilo que seus olhos estão enxergando, quase como se o espectador fosse o próprio homem-morcego. Em um ponto ainda mais profundo, Reeves também consegue inserir o espectador dentro da mente do Batman, mostrando as dualidades do herói, as tendências suicidas e autodestrutivas e a perturbada e contínua busca por vingança.

As influências dos quadrinhos também são claras e, na carta de amor de Matt Reeves a essas grandes histórias, isso fica evidente até mesmo nos detalhes: seja na ambientação de Halloween ou na marca que a Mulher-Gato deixa em Falcone, cada um dos elementos servem como referências às duas fontes das quais o diretor mais bebe: O Longo Dia Das Bruxas, uma das histórias do Batman que mais foca no seu lado detetive, e Ano Um, que mostra o morcego ainda aprendendo a ser o Batman. Outras duas histórias também são grandes inspirações: Batman Terra Um e Ano Zero, que apresentam uma versão mais assustadora do Charada, e Ego, que mostra como Bruce Wayne é uma pessoa perturbada. Outra influência direta é a série de jogos do Batman da Telltale, que apresenta, assim como Ano Zero, um Charada mais brutal e psicótico, e também explora a ideia de uma corrupção intrínseca em Gotham.

Tudo isso serve de base para que Matt Reeves crie a Gotham mais palpável já vista no cinema, uma que funciona como um reflexo do que há de pior no nosso mundo real, e que tem tanta presença quanto qualquer outro personagem do filme. Esse reflexo é criado em cada esquina, em cada diálogo e a cada imagem que retrata o medo estampado no rosto das pessoas, mas também está presente na forma como a história remete à atualidade, com inserção de redes sociais e problemas de corrupção dentro de grandes esferas de poder. A mesma discussão sobre tempos atuais também pode ser vista na forma como Reeves escancara um relato sobre o poder da Internet e seus fóruns em servir como abrigo para pessoas, e também como forma de dispersar discursos de ódio — o lado bom e terrível dessa ferramenta.

Um Protagonista Complexo

A escalação para esta nova versão do Batman também não poderia ser mais apropriada. Robert Pattinson entrega e supera todas as expectativas para a versão mais sombria já vista do personagem e com certeza a mais memorável. As expressões dele, tanto como Batman quanto como Bruce, mostram a cada segundo como ele é atormentado pelo assassinato dos seus pais. Em vez de pecar pela repetitividade da cena da tragédia, o filme deixa claro a todo momento que Bruce nunca superou aquela noite e talvez nunca vá superar. Mais do que isso, ele sair vestido de morcego pela noite parece combinar muito mais com essa versão tímida e retraída do que com versões recentes que mostram o personagem como um cara cheio de dinheiro e que sai comprando hotéis.

Este Bruce Wayne tem pouco do playboy bilionário dos filmes do Nolan e puxa muito mais inspiração dos quadrinhos de Darwyn Cooke, mostrando-o como uma figura reclusa e que foge da vida pública. Mais do que nunca, fica claro que a máscara é o nome Wayne, enquanto o Batman é a verdadeira identidade desse homem que nunca superou a maior tragédia de sua vida e que passa todas as noites infligindo medo e terror em bandidos e criminosos, como se isso fosse apagar aquilo que ele sofreu. Seu objetivo parece ser trazer paz para Gotham, mas tudo que ele incentiva é apenas uma máquina de mais dor, punição e vingança, gerando o próprio mal que combate.

Outra questão bastante interessante é perceber como o uniforme de Batman cria uma espécie de licença para Bruce exprimir seus sentimentos mais obscuros e perturbados, como se fosse o artifício que ele usa para lidar com a morte de seus pais — em vez de marcar uma sessão com a terapeuta. A escolha de Pattinson é perfeita porque ele consegue equilibrar bem o lado mais psicótico (poucas vezes visto) desse personagem com o lado vulnerável (ainda mais raro de ser visto) e emocional, tudo brilhantemente apresentado no ótimo roteiro de Matt Reeves.

Também é bacana ver como o Bruce Wayne é o coadjuvante. O Batman praticamente domina o filme e é legal ver como o personagem não serve apenas para aparecer em tela, bater em umas pessoas e depois sumir sem que ninguém o perceba. Nas cenas de luta ele realmente parece um homem que aprendeu várias artes marciais e, quando precisa ser sorrateiro, ele atua como um membro das sombras, tendo um aspecto até mesmo assustador — o filme cria logo no começo um padrão de sempre evidenciar as passadas dele antes que o Batman apareça, o que é incrível e aterrorizante. Pela primeira vez, o morcego parece realmente um personagem vivo. Ele tem longos diálogos, longos silêncios e, vez ou outra, momentos de pura insegurança e desconforto. Existe uma vulnerabilidade maravilhosamente construída por Robert Pattinson e Matt Reeves nesta versão do herói encapuzado – que tem tudo para ser a nova favorita dos fãs.

Um Elenco de Estrelas

Robert Pattinson está bem acompanhado nesta jornada e Matt Reeves também sabe trabalhar os pontos de apoio do seu protagonista. Selina Kyle, que é vivida por Zoe Kravitz, é a parceira perfeita para o Batman (os dois têm uma química incrivel em tela) e também tem sua própria jornada complexa sendo desenvolvida, além de apresentar uma vulnerabilidade interessante para a Mulher-Gato (ao mesmo tempo em que continua sendo super durona) – é também, sem dúvida, a melhor versão da personagem no cinema ao lado de Michelle Pfeiffer; Alfred, interpretado por Andy Serkis, serve como figura paterna para Bruce Wayne e, diferentemente de outras versões, parece um pouco mais crível e falho. Ele também protagoniza um dos melhores diálogos do filme, servindo como principal elo emocional do protagonista; Tenente Gordon, vivido por Jeffrey Wright, é basicamente o bom policial e o parceiro do Batman no combate ao crime em uma dinâmica de relacionamento bem divertida e bem construída. Os dois tem bastante sintonia e quase funcionam como uma dupla clássica de detetives, no estilo bom policial e mau policial. Colin Farrell também merece destaque, apesar de estar coberto de maquiagem. O ator entrega a versão definitiva do Pinguim, se baseando muito em quadrinhos e nos jogos da trilogia Arkham, possuindo várias ligações fortes com a máfia e o subúrbio de Gotham, e com um humor bem acertado. Ele rouba a cena toda vez que está em tela.

Por fim, Paul Dano vive o Charada, claramente inspirado no assassino real do Zodíaco. Apesar de não aparecer muito durante o filme, o ator entrega tudo que era esperado e reinventa o personagem, mostrando uma versão mais realista e palpável (e bem assustadora). O ator sabe ser contido, mas também sabe subir o tom quando precisa, parecendo um clássico vilão de quadrinhos. A forma como consegue transitar de um olhar inocente de um jovem desinformado para uma virada de olhos totalmente psicopata evidencia muito bem essa ambiguidade e o alcance do ator, que com certeza vai ser lembrado como um dos maiores vilões da filmografia do homem-morcego. As charadas ainda fazem parte do seu repertório e funcionam bem dentro do contexto de investigação do filme. Dano funciona como a ótima contraparte Batman, também mostrando duas versões distintas de si mesmo: uma com máscara e outra sem – a cena do interrogatório, inclusive, é uma obra de arte. E é bem interessante ver como o personagem de Dano testa os limites desse Batman de um jeito que nunca vimos antes no cinema, em um jogo de pura mente contra mente e de muito intelecto envolvido, servindo como o vilão perfeito para essa nova versão investigativa do Batman.

A Gotham Perfeita

Diferentemente dos filmes de super-herói mais recentes, Batman é lindo visualmente e é muito fácil de se sentir dentro da história, com uma ambientação que te transporta para dentro da tela durante 3 horas sem nunca te deixar desinteressado ou entediado. Em vez de um show de horrores de tela verde e CGI, a história do homem-morcego, até por ser mais realista e pé no chão, parece completamente crível. As cenas de luta são bem coreografadas, com um Batman finalmente ágil e veloz (e brutal), e nada recai no exagero, nem mesmo os grafismos. Em vez do sangue jorrar em tela, Matt Reeves opta por socos secos e brutais que transmitem muito mais emoção e dor do que qualquer gore exagerado. As resoluções visuais do diretor também são bastante interessantes e são um refresco em meio a produções que se apoiam basicamente em efeitos especiais megalomaníacos — aqui tudo parece fruto de muito trabalho, repetição e efeitos práticos.

Junte isso a um diretor de fotografia eficiente, visionário e genial como Greig Fraser e Batman acaba sendo um dos filmes de super-herói mais lindos de todos os tempos e, por consequência, Gotham ganha realmente vida na tela, parecendo uma cidade completamente real. A forte saturação em tela e quadros cheios de contraste ajudam muito nessa missão. Para melhorar ainda mais essa obra como um todo, insira a trilha original de Michael Giacchino e Batman acaba sendo produto de uma mistura de mentes brilhantes, todos de acordo com a visão única e extraordinária de Matt Reeves. As músicas originais mostram bem os dois lados de Bruce Wayne, caracterizam as dores de Selina Kyle e também representam de forma palpável a bagunça da mente do Charada.

Outro fator interessante em toda essa ambientação é a narração em off do Batman. Em um formato de diário de trabalho, o Cavaleiro das Trevas narra durante todo o filme suas ações, motivações e pensamentos internos, o que torna toda a experiência ainda mais intimista e ainda mais parecida com uma história em quadrinhos do Batman.

E, como já mencionado, é um filme que explora a barreira do gênero, totalmente despretensioso em relação a isso e que não tenta em nada seguir padrões estabelecidos nos últimos anos. O filme é, do início ao fim, um suspense noir com um super-herói quase totalmente realista e crível — e sentimos isso durante toda a jornada. Durante as quase 3 horas de filme, a investigação nunca fica confusa demais para ser bem compreendida pelo espectador e o ritmo nunca desacelera o suficiente para tornar a experiência monótona, porque entram as várias cenas de ação espetaculares.

O Batman Definitivo

Com uma história que fala sobre o poder destrutivo de coisas como corrupção, privilégio e vingança, Matt Reeves criou um suspense excepcional que ultrapassa quaisquer barreiras de gênero e estabelece um rico universo cinematográfico para o maior herói da DC. Além de uma complexa história de investigação e enigmas, desvendando os alicerces corruptos de uma cidade que nasce no meio dessa corrupção, o diretor também entrega uma das melhores histórias do Homem-Morcego em uma jornada de amadurecimento, entendendo o papel que ele precisa exercer em Gotham. Um papel que vai além de um Cavaleiro das Trevas, tornando-se um símbolo de esperança.

Ao fazer isso, o diretor ainda vai além e apresenta um personagem extremamente complexo e que precisa aceitar e entender como ele também faz parte do mal que tenta combater, relacionando isso com a própria cidade de Gotham – dando indícios de uma corrupção interna e que afeta até mesmo homens de bom coração. Por fim, Batman não só é uma história incrível do maior detetive do mundo, mas é também o filme definitivo do Homem-Morcego. O melhor filme do Batman e um dos melhores filmes dos últimos tempos.

Nota: 10/10


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