Crítica | Exorcismo Sagrado – Terror profano e descaradamente trash

A linha tênue entre ser e fazer, entre homenagear e copiar, constantemente é quebrada nos cinemas, afinal, há quem diga que toda grande história nasce de um ciclo de infinitas outras. Se O Exorcista ditou regras, tornou-se referência e mudou a forma como os filmes de terror eram lá nos anos 70, hoje seu legado segue firme e forte como um excelente exemplo do que funciona (ou não!) dentro de uma trama sobre possessão demoníaca. O problema é que – quase 50 anos depois – é complicado inovar no gênero, uma vez que praticamente tudo já foi feito e refeito à exaustão. Resta então copiar a fórmula sem dó e justificar com o infalível “é apenas um tributo”. E é exatamente isso que Exorcismo Sagrado (The Exorcism of God) faz.

O terror do venezuelano Alejandro Hidalgo – que chega ao Brasil pela Imagem Filmes – une toda a sua coragem para fazer uma valente crítica à igreja católica, mas não demonstra assim tanto empenho quando se trata de originalidade, uma vez que usa e abusa de diversas outras obras para construir não apenas o aspecto visual de sua história, como também a narrativa usada.  

Ou seja, sem nenhuma novidade, a trama se sustenta mesmo pelo mínimo essencial: bons sustos e uma atmosfera soturna que realmente envolve o espectador mais emocionado. Entre algumas referências sacanas e descaradas e alguns elementos contestáveis – para não dizer polêmicos – vai do público abraçar o trivial ou se irritar com a falta de criatividade.

A trama e o elenco

Há bons intuitos no roteiro e sua força habita algo que sempre dá aos filmes mais profundidade e reflexões: um protagonista contestável. Nesse caso, um padre – que já não é lá um personagem confiável – que cometeu um grave erro no passado quando, durante um exorcismo tenso, se deixou ser corrompido pelo “coisa ruim” e acabou abusando sexualmente da jovem que estava incorporada.

Até aí O Exorcista parece um filme leve, não é mesmo? Porém, após esse “pecado”, ele se isola do mundo e passa a ajudar comunidades necessitadas no México… até que o mal volta para o acerto de contas. Desse ponto para frente, a trama não foge tanto assim do habitual e boa parte se perde na necessidade exagerada de replicar o que já foi feito.

O elenco não é o que podemos chamar de bom, mas Will Beinbrink (It: Capítulo 2) convence como um homem em conflito consigo mesmo, amargurado pelos erros que cometeu no passado e se transforma em um condutor agradável, ainda que com limitações dramáticas. Por outro lado, Joseph Marcell (Um Maluco no Pedaço) possui grande carisma e talvez tenha o senso de humor mais cabível. De qualquer forma, o excesso de personagens coadjuvantes acaba por deixar a jornada do protagonista mais melosa e menos impactante.

E como cerejinha do bolo, o roteiro não vê amarras em questionar a religião e muito menos em “brincar” com seus estigmas. Há santos endiabrados e até mesmo um Jesus sinistro, que espalha caos e medo em todas as cenas de susto que aparece. Esse atrevimento é sensacional e arrisco dizer até mesmo singular, ainda que tenha uma fala extremamente problemática no final, ao colocar lado a lado homossexuais com “bandidos e estupradores”. Mesmo que o diálogo em questão esteja dentro de um contexto cuja pessoa que fala é “do mal”, é absurdo que algo assim seja aplaudido. Fica aí uma vergonha para Hidalgo carregar.

A direção

Por falar em Alejandro Hidalgo, é visível que essa obra serve como um exercício para sua carreira e, por conta da ótima condução de suspense, deve elevar sua qualidade narrativa muito em breve. Ainda que arrogante por achar algumas vezes que está inventando a roda, o cineasta mostra que sabe dosar o drama humano com o horror visceral ao criar sustos divertidos e brincar com o conceito de body horror em filmes de possessão.

As incorporações são sinistras, assim com a atmosfera obscura e medonha, que ajuda na imersão, mesmo que, a cada segundo, tenha algo saltando da tela no desespero de assustar. Apesar da fotografia escura e dos efeitos especiais complemente toscos e desnecessários, uma vez que eles tiram o espectador do realismo que estava sendo proposto, o ritmo é adequado e as reviravoltas são instigantes.

Conclusão

O santificado e o divino são corrompidos pelo roteiro atrevido do profano Exorcismo Sagrado, ainda que o terror esteja bem mais preocupado em replicar a fórmula de outros filmes de possessão. Toda essa bela ousadia se perde em uma trama limitada, satisfeita em fazer qualquer coisa, mesmo quando poderia ser absolutamente original por conta de sua interessante descrença na religião e a audaz crítica à corrupção dentro da igreja católica. Mesmo com direção competente e sustos impactantes, não há reza que faça um roteiro trash ser inesquecível pelos bons motivos.

Longe de ser o terror do ano e contente por fazer algo minimamente bom – apesar do baixo orçamento – a única coisa sagrada aqui está no fato de como a produção se curva aos clássicos do gênero, quando sua afronta poderia render os melhores frutos proibidos que o cinema pode proporcionar. Nos resta apenas apreciar a montanha-russa e ter pesadelos com um Jesus que você definitivamente não vai querer adorar.

NOTA: 6/10

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