De fato, algumas histórias funcionam infinitamente melhor na animação. Como é o caso de Belle, que chega ao Brasil pela Paris Filmes e que desenvolve um doce coming of age virtual ao mixar na sua fórmula diversos elementos distintos de histórias já conhecidas pelo grande público afim de ultrapassar a zona de conforto típica das animações japonesas. Muito mais comercial e menos reflexivo que o habitual, o longa animado entrega uma protagonista sólida e um verdadeiro espetáculo visual, mas encontra dificuldades em narrar sua trama remendada, encharcada de referências externas e inspirações.
No entanto, é inegável que haja um frescor brilhante na forma como a animação resgata a já enfadonha essência dos contos de fadas e subverte para algo muito mais contemporâneo e palpável, uma vez que cria esse ambiente virtual carregado de perigos reais, de pessoas que se escondem atrás do anonimato e mostra como a internet funciona também como válvula de escape para as dores da vida. Em um mundo hiperconectado como o nosso, ver uma animação 2D (com elementos 3D) questionar nossas atitudes, é algo definitivamente admirável e original.
A trama
Se você cresceu nos anos 90 e começo dos anos 2000 deve estar familiarizado com o enredo do anime Digimon Adventure, certo? Jovens que são escolhidos para uma missão fantástica em um mundo virtual cercado de monstrinhos e perigos reais. Bom, em Belle isso soa semelhante, porém mais polido para os tempos atuais. E não é pura coincidência, uma vez que o diretor do filme, Mamoru Hosoda, foi um dos responsáveis pela direção de Digimon.
De qualquer forma, ambas as animações conversam perfeitamente entre si, sendo que Belle mergulha mais intensamente nos males causados pelo uso exagerado da internet, enquanto Digimon é sobre o boom da Era Digital da época. E como se não bastasse, a cerejinha do bolo está no fato desse mundo tecnológico fazer uma releitura criativa do conto A Bela e a Fera, da Disney.
Dentro dessa batida de liquidificador de tudo que poderia não funcionar junto, mas funciona por alguma razão, acompanhamos a jornada de amadurecimento da jovem Suzu, uma estudante de ensino médio de 17 anos que mora em uma aldeia rural com o pai, após perder a mãe de forma trágica. Por anos, ela foi apenas uma sombra de si mesma. Um dia, ela entra em “U”, um mundo virtual de 5 bilhões de membros na internet. Lá, ela não é mais Suzu, mas Belle, uma cantora mundialmente famosa. Ela logo se encontra com uma criatura misteriosa denominada Fera. Juntos, eles embarcam em uma jornada de aventuras, desafios e amor, em busca de tornarem-se quem realmente são, afinal, se tem algo que as animações japonesas sabem fazer bem é atingir o ponto mais sensível e emocional de seu público, visível nos momentos catárticos de cantoria em Belle.
A direção
Não é exagero dizer que Mamoru Hosoda é um visionário, ao menos dentro da vertente que explora em suas histórias e como busca passar uma mensagem importante mesmo nas aventuras mais mundanas. Belle é uma história de amor em sua essência e, apesar desse romance ser apressado e acabar por ofuscar a jornada de aprendizado e amor próprio da protagonista, o diretor se preocupa em não transformar o filme em algo voltado apenas ao público feminino, uma vez que insere cenas de ação, lutas e canções emotivas lindíssimas, no melhor estilo Disney.
Através disso, abraça todos os públicos, inclusive os adultos por conta de seu alto teor emocional ao explorar temas como luto, bullying e violência doméstica. Como se isso não fosse o suficiente, a estética visual do longa é um esplendor à parte. As cores vivas da natureza do mundo real, somadas aos cenários artificiais e futuristas do digital, são um banquete aos olhos e auxiliam na imersão e em algo típico dos trabalhos de outro grande mestre, Hayao Miyazaki: a criação de uma atmosfera sensorial de conforto, que parece abraçar e envolver o espectador do começo ao fim.
Conclusão
Dessa forma, Belle é uma animação extravagante, ousada e profundamente comovente, o casamento perfeito (e inesperado) entre o romance proibido de A Bela e a Fera e o perigoso mundo digital de Digimon. O visual e a música do anime arrebatam o público para um mundo encantador, contagiante e surpreendentemente arriscado.
Apesar disso, há sim problemas na estrutura da história e o enredo encontra dificuldades de abraçar todas as narrativas, mas nada que possa atrapalhar o mergulho divertido na obra de Mamoru Hosoda, que entrega sua mais nova festa aos olhos e ouvidos. Essa mistura vibrante entre conto de fadas clássico e reflexões contemporâneas certamente vai ressoar em seu coração.
NOTA: 8/10
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