De fato, os filmes teens da Netflix estão caindo na mesmice com a repetição consciente da fórmula “menina atrapalhada se apaixona pelo galã do colégio”, mesmo que esse recurso de conflito seja a base de trama mais comum desde que a comédia romântica nasceu. A zona de conforto é tão explorada por roteiristas pois, de fato, funciona (na grande maioria dos casos) e proporciona discussões simples, óbvias e com aquela boa dose de reflexão sobre amor-próprio e aceitação. Seguindo esse conceito tradicional, temos o mais novo produto da prateleira do serviço do streaming: Confissões de Uma Garota Excluída, longa baseado no livro best-seller da escritora brasileira Thalita Rebouças que, ainda navegando dentro dessa premissa clássica, consegue tocar em assuntos mais maduros que o esperado.
A trama e o elenco
Sem ter muito para onde fugir com sua temática colegial e abordagem de um nicho específico de jovens brasileiros – moradores da Barra da Tijuca ou Zona Sul do Rio de Janeiro, núcleo comum nas obras da escritora – o enredo, que tem como base o livro Confissões de uma garota excluída, mal-amada e (um pouco) dramática, parece inicialmente não ter qualquer compromisso com o mais importante nesse momento: a diversidade étnica e de orientação sexual. Porém, aos poucos, com o desenrolar da trama, descobrimos que há representatividade e que, felizmente, esse ponto foi minuciosamente pensando pela produção.
Dito esse desabafo da falta de inclusão em algumas obras da autora – muito por conta de sua vivência, claro – e da personificação de um Rio pelo ponto de vista de apenas uma classe social, o filme da Netflix parece assumir mais a responsabilidade de agregar novas vozes ao cenário. Algo que, para nossa sorte, o faz decolar com um sabor mais gostoso.
Não há qualquer tipo de racismo ou homofobia sendo trabalhados na obra e o foco mesmo é tratar esses núcleos com naturalidade e leveza, enquanto centraliza no drama da protagonista e sua fase maluca de amadurecimento pessoal. E põe maluca nisso, uma vez que Tetê (vivida pela ótima surpresa que é Klara Castanho, que parece ter nascido para o papel) é toda trabalhada no drama. Mas com motivo: sua família tóxica – que acredita estar fazendo o bem – acaba com sua pouca autoestima, justamente na fase mais conturbada de sua vida nesse planeta.
Dentro de seu mundinho idealizado, a protagonista sabe como superar os muros que criou para se proteger do bullying que sofre na escola (e dentro de casa!), mas não possui força o suficiente para sair desse ciclo de auto depreciação. No meio disso, por conta dos hormônios à flor da pele, se apaixona por qualquer menino que aparece na sua frente e precisa enfrentar seu maior vilão: ela mesma.
O clubinho dos excluídos é preenchido por Zeca (Marcus Bessa) e Davi (Gabriel Lima) e essa forte e sincera amizade os ajudam a sobreviver na selva (também chamada de escola) que frequentam todos os dias.
Se pegarmos o plot central do clássico Meninas Malvadas, temos grande parte do caminho convencional que o roteiro segue a partir desses conflitos e, mesmo que as semelhanças sejam bastante claras, novamente, a zona de conforto parece ter vida própria e a trama evolui para divertidas cenas de humor, extraídas de situações adolescentes constrangedoras e, claro, do carisma da protagonista e sua visão cômica/irônica do mundo à sua volta.
Desde crise de suadeira até paixonite por todos os meninos que lhe dão “Oi”, Tetê é uma jovem comum, mas sabe que possui seu lado sentimental mais aflorado e sofre toda vez que é incompreendida ou mesmo podada por seus pais e avós, cuja mentalidade ainda habita outra geração e outros costumes, que já não existem mais.
Ela só quer chorar, amar sem limites e ser autêntica. Desse âmbito, no texto de Rebouças (sempre rico em ensinamentos) há boas reflexões sobre amadurecimento, pressão estética, bullying e a falsa sensação de que todo adolescente precisa saber o que quer da vida, fatores esses que estão deixando os jovens atuais doentes e confusos. E o longa traça e aborda esses temas densos com bastante maestria, através do olhar bem-humorado do diretor Bruno Garotti (Diários de Intercâmbio), o nosso John Hughes brasileiro.
A direção
Por falar nele, se tem algo que o cineasta faz bem em Confissões de uma Garota Excluída é mesclar o drama com a comédia. Há pontos de virada importantes para a jornada de maturidade da protagonista, que estão sempre no foco, mas o senso de humor de sua condução enérgica e as situações cômicas da dificuldade de comunicação da personagem, sem dúvida tornam a narrativa mais jovial, leve e cativante.
Esse disfarce ideal ofusca as previsibilidades por um tempo e nos faz aproveitar bem mais o trajeto, ainda que o desfecho seja bastante óbvio e o plot twist, envolvendo a “vilã” Valentina (Júlia Gomes está ótima), é meio sem fundamento. Funciona no livro, mas passa apressado demais na adaptação e, convenhamos, não convence.
Aliás, boa parte do segundo ato é acelerado e com cenas picotadas sem grandes efeitos. Passagens da literatura que claramente poderiam ter sido retiradas do longa para que sua narrativa fosse mais fluída e menos engarrafada, uma vez que são muitos personagens sendo desenvolvidos ao mesmo tempo e poucos realmente funcionam, apesar das investidas do roteiro em dar personalidade para cada um. Exemplo o galã Erick (vivido pelo engessado Lucca Picon), que tenta justificar uma traição com o fato de viver em um contexto machista. A intenção é boa, mas não há fôlego para tanto.
Conclusão
Através do olhar afetuoso e bem-humorado da literatura de Thalita Rebouças, Confissões de Uma Garota Excluída é uma grata surpresa com saldo positivo na Netflix. Apesar de não se esforçar para fugir das previsibilidades do gênero, acerta no carisma da protagonista inquietantemente dramática e nas reflexões contemporâneas que pondera. Aquele filme descomplicado que você já sabe o que esperar dele sem se deixar levar pela expectativa de reinvenção da roda.
De resto, mesmo com o desgaste do enredo sobre a menina desajeitada que se apaixona pelo galã desprovido de inteligência da escola, há boas intenções, bom elenco e uma boa dose de amadurecimento sobre a insana – e por vezes sufocante – transição para a vida adulta.
Nota: 7/10
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