Crítica | Cinderela – Releitura bem-intencionada, porém desajeitada

É questionável pensar o quão relevante Cinderela é. Quer dizer, o conto de fadas aos moldes convencionais – que fez nascer um dos maiores clássicos da Disney – já rendeu inúmeras adaptações para os cinemas desde seu surgimento, no século XVII e, ainda assim, nunca se provou moderno. Nós realmente precisamos repetir histórias como esta? Carregada de machismo, misoginia e outros valores de uma época que já não existe mais. A resposta obviamente é não. Mas, assim como a própria Casa do Mickey está reformulando seus contos datados e trazendo para filmes live-actions conscientes, a Sony Pictures criou sua própria – e inquestionavelmente mais singular até então – versão da princesa que perde seu sapatinho de cristal no baile do príncipe.

Em Cinderela, musical estrelado pela cantora Camila Cabello e que chega pelo Amazon Prime Video, a releitura é imaginativa, livre de amarras do conservadorismo e carregada de humor satírico, que ri do quão brega a história de fato é. Mas isso não significa que não caia nas mesmas armadilhas que as demais adaptações.

A trama e o elenco

Para começar, aqui a princesa – criada pelo escritor e poeta francês Charles Perrault –, de origem cubana, tem sonhos e desejos e não se deixa levar pelo simples charme do príncipe rico. Ella é doce e recatada, possui as mesmas características da ingênua menina que cresce em um reino onde a riqueza decide seu destino. Mas, diferente do conto tradicional, ela luta para ter sua própria vida longe da família tóxica que a trata como empregada.

Ir ao baile da cidade não significa apenas achar seu homem e se casar, ela quer mesmo é fazer network, vender seu peixe e se provar uma ótima designer de moda. Porém, claro, o romance está no ar e preenche as lacunas de sua jornada que vai do lixo ao luxo. Com a ajuda de um divertido Fado Madrinho – sim, definitivamente o ponto alto desse filme é ter Billy Porter (Pose) ressignificando o padrão de fada – ela segue todas as passagens clássicas do conto, desde perder seu sapato ao arremessá-lo em um dos convidados do baile, até fugir antes da meia noite, senão a carruagem, como bem sabemos, vira abóbora e a ilusão da fantasia se desfaz.

No entanto, cada momento é carregado de ironias e o longa faz o que a Disney nunca teve a coragem de fazer: questionar. Desde o vestido hiperfeminino até o sapato desconfortável – afinal, como alguém anda em um pedado de vidro? – tudo é mencionado e com o adicional de deixar de lado as famosas canções para dar lugar a músicas da cultura pop que funcionam para acompanhar os sentimentos das personagens e a mensagem progressista do filme.

Mas é aí que nasce parte do problema que faz Cinderela ser um desperdício de premissa. Como musical, o filme é desastroso, monótono e cruelmente desajeitado. Os números são fracos, as músicas – ainda que bem inseridas – dão ao filme cara de ser uma versão de época de qualquer coisa no estilo Glee E nada, absolutamente nada, é memorável.

Camila Cabello surpreende e mostra que consegue atuar razoavelmente bem, mas não segura o filme sozinha. Apesar do carisma, a atriz não encanta. Assim como o restante do elenco. Idina Menzel (Frozen) é desperdiçada (ainda que sua personagem tenha bons questionamentos sobre desigualdade de gênero), Pierce Brosnan (007) é puro exagero e Nicholas Galitzine (Jovens Bruxas) vive um príncipe Robert com um pouco mais de camadas, isso é fato, porém, bobo e, no fundo, apenas mais um “boy lixo”. Ou seja, o elenco não ajuda, o roteiro acerta na desconstrução, mas afunda quando precisa fugir dos clichês e tudo soa extremamente falso e artificial, desde os figurinos – que parecem terem saído de algum brechó vintage – até os cenários montados e a fotografia sem graça.

A direção

Com um roteiro movido por arquétipos, fica difícil que a condução de Kay Cannon (Não Vai Dar) faça algum milagre. O ritmo da trama de Cinderela é lento, mesmo com números coloridos e agitados de dança. Especialmente por seguir a estrutura básica do que já estamos familiarizados, a previsibilidade atrapalha e muito a imersão.

Mas o pior está mesmo na montagem picotada e agressiva. Faltam sutilizas e emoção em momentos mais densos. Os diálogos são desordenados e o humor só funciona na presença de Porter, que é naturalmente cômico e irônico, no demais, a condução se dissolve pelo caminho e o excesso de personagens mal trabalhados tiram o foco da protagonista, quase uma mera coadjuvante dentro de sua própria narrativa. O CGI, por sua vez, essencial para um mundo de fantasia ter vida e criar a atmosfera de imaginação, também passa vergonha.

Conclusão

Através disso, mesmo repleto de boas intenções e uma atualização extremamente necessária à um conto de fadas arcaico, Cinderela apenas prova que essa história já virou abóbora no cinema e desperdiça a oportunidade inovar a fórmula. No lugar disso, entrega um musical sonolento, artificial e com atuações unidimensionais que não encantam. Com exceção de Billy Porter – que rouba a cena -, nada é memorável e a diversão se esgota antes mesmo do relógio bater meia-noite. Ainda assim, é impossível não abraçar os refrescos de ser uma princesa cubano-americana (Camila Cabello se entrega e o esforço é válido), uma “fada madrinha” vivida por um homem negro, gay e afeminado e todas as demais reformulações feministas e diversidade que dão uma certa sobrevida a esse conto de fadas obsoleto.

Nota: 5/10

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