Crítica | O Esquadrão Suicida – Espetáculo selvagem e sangrento da DC

A capacidade de reinventar algo que já está enraizado na cultura pop como um grande fracasso não é para todos. Talvez, apenas mentes insanas são capazes de pegar uma ideia mediana e distorcê-la até que fique absurdamente boa e possa render um filme tão divertido, sanguinolento e sem escrúpulos como O Esquadrão Suicida (The Suicide Squad).

Essa cabeça criativa e surtada é a de James Gunn (Guardiões da Galáxia), que mudou – literalmente – para o lado sombrio da força quando foi demitido da Marvel Studios e assumiu a equipe da DC que ninguém mais queria ver nos cinemas após a derrota que foi o longa de 2016, comandado por David Ayer.

No entanto, para surpresa de todos, essa nova produção não apenas apaga o gosto amargo do primeiro filme – sim, esse não ignora o outro e faz algumas sutis referências – como também consagra os anti-heróis como o rumo que a DC Comics deveria tomar daqui para frente após errar com praticamente todos os grandes super-heróis. Essa é a maestria de Gunn: pegar uma equipe secundária de personagens desconhecidos e dar um palco para brilhar com a mesma (talvez até mais!) intensidade que daria para Batman ou Superman.

Tem violência gráfica extrema? Muita! Tem humor? Sim, e as piadas realmente são engraçadas. Ou seja, O Esquadrão Suicida é a união imperfeita e divertida da ousadia da DC com o senso de heroísmo da Marvel em um filme que já nasceu dando certo e que, mesmo assim, ainda encontra espaço para nos surpreender.

A trama e o elenco

Com um roteiro inteligente e um diretor que visivelmente está em sua zona de conforto e com bastante liberdade criativa, a trama de O Esquadrão Suicida se passa em algum ponto do Universo Cinematográfico da DC – certamente após o primeiro Esquadrão, uma vez que o retorno de alguns personagens deixa claro que eles já se conheciam de outras desventuras – e a graça agora é não tentar encaixar conexões com outros filmes pois essa não é a preocupação de Gunn. É fato que Superman teria resolvido a dilema desse filme em poucas horas? Teria. Mas, por qual motivo incomodar um herói requisitado se podemos ter os vilões em perigo e, de quebra, ainda prestando algum serviço que seja para os EUA com suas habilidades curiosas? Se eles morrerem, ninguém sentirá falta, senão, uma missão secreta a menos para desenterrar segredos sombrios da América.

Com isso, dessa vez a equipe – novamente recrutada por Amanda Waller (vivida por uma Viola Davis monstruosa de tão boa) – é enviada para uma ilha na América do Sul para liberar o lugar de um regime ditatorial perverso e ainda salvar o mundo de um bizarro experimento nazista com tecnologia alienígena que, se cair em mãos erradas, pode causar um verdadeiro caos na terra.

Liderados pelo mercenário Sanguinário (Idris Elba), o time de malucos eloquentes encontra não apenas um propósito para sobreviver, como também laços de afeto uns pelos outros. Sim, o roteiro de Gunn faz o que parecia ser impossível: nos importarmos com os personagens e suas mortes absolutamente terríveis. Após uma introdução hilária (e ousada!), que serve para provar que tudo é possível e todos estão em risco, o enredo progride com inteligência e sem perder o entretenimento.

Os vilões humanos são ameaçadores pois, mesmo com superpoderes de todos os tipos, os anti-heróis são “matáveis”, ou seja, o banho de sangue é liberado e não poupa nem mesmo os mais carismáticos. Nas entrelinhas da trama há ótimas reflexões sobre autoritarismo, manipulação e o quanto damos poder à líderes/governos desprovidos de qualquer consciência.

No meio do caos da guerra – que lembra filmes como Apocalypse Now por conta da selva – o roteiro cria várias missões secundárias e cada uma delas tem excelentes clímax, culminando em um desfecho absolutamente megalomaníaco com uma espécie de kaiju assustador destruindo toda a ilha.

São muitos personagens e, mesmo na pressa, todos possuem seus minutos de fama, mas o destaque – além de Elba – fica mesmo para Rick Flag (Joel Kinnaman), Caça-Ratos 2 (Daniela Melchior), Tubarão-Rei (Sylvester Stallone), Sol Soria (Alice Braga está ótima!), Bolinha (David Dastmalchian) e o Pacificador (John Cena) – que vai ganhar uma série solo na HBO Max e que, com seu desfecho e cena pós-créditos, promete ser interessante.

Já Arlequina de Margot Robbie, essa sim tem muito mais que apenas seu minuto de fama. O roteiro – inicialmente – a coloca presa numa espécie de comédia romântica clichê, que traz à tona a problemática de que ela necessita de um homem para que sua vida faça algum sentido após o relacionamento tóxico com o Coringa (Jared Leto), porém, conforme a trama avança e a piada sobre isso é percebida, a personagem retoma a emancipação conquistada e é seguro dizer que proporciona as melhores cenas de ação desde que apareceu nos filmes da DC – incluindo um momento insano de “conto de fadas” brilhantemente dirigido. Gunn não apenas faz jus ao legado que a personagem possui – sendo talvez a única coisa boa do filme de 2016 -, como coloca algumas pautas de lado para lhe dar um momento único de ação e aventura que tanto merece.

A direção

O senso de humor perverso do cineasta não perde o ritmo nunca e em O Esquadrão Suicida, sem as amarras de um estúdio com filmes para toda a família, o diretor usa e abusa de violência gráfica, litros de sangue, palavrões, nudez e bastante cenas de ação mirabolantes para construir o mundo deturpado e excêntrico do grupo de anti-heróis. Mas, fora esse teor adulto, há relações humanas cativantes e momentos de afeição que são conquistados pelo ótimo desenvolvimento dos personagens individuais. Gunn sabe muito bem trabalhar com um grupo grande de indivíduos e preza para que a química seja plausível, especialmente por se tratar de uma comédia, fato esse que o filme de 2016 nunca conseguiu atingir. O bem e o mal se colidem e conhecemos o lado mais sensível e doce de alguns.

Porém, claro, os poderes esquisitos dos personagens – que vão desde arremessar bolinhas ácidas até uma Doninha bizarra – roubam a cena e auxiliam para que o humor seja ainda mais hilário. Tudo é muito estranho e fora da caixinha e isso é sensacional.

Tanto a trilha sonora (que inclusive toca a música brasileira “Quem tem Joga”) espetacular quanto os efeitos especiais de primeira, todas as engrenagens estão alinhadas para que Gunn faça, através de sua condução enérgica, o motor funcionar e a imersão nunca ser perdida. As cenas de ação são espalhafatosas e anestesiantes, com objetos e sangue voando em direção à câmera. Tinha tudo para ser cafona, mas contorna e realmente diverte.

De todos os filmes lançados desde o começo da pandemia, esse talvez seja o que precisa ser visto nos cinemas para que a experiência seja catatônica.

Conclusão

Definitivamente um clássico instantâneo do gênero acaba de nascer. O Esquadrão Suicida de James Gunn é um divertido espetáculo selvagem e sangrento que prova como a DC pode (e consegue!) fazer um filme excelente quando abre espaço para um diretor verdadeiramente visionário, que sabe brincar no humor, chocar na violência gráfica e reinventar do zero uma equipe de anti-heróis dos quadrinhos que parecia não ter salvação nos cinemas. Em relação ao primeiro filme, sem sombra de dúvidas é uma visão muito mais coerente, atrevida e audaciosa dos personagens mais insanos que o mundo dos super-heróis já proporcionou e que só o senso de humor debochado de Gunn pode trazer essa história excêntrica à vida e fazê-la funcionar. Nesse caso, mais que isso, faz um belíssimo e hilário balé de violência que abraça o ridículo e deixa gostinho de quero mais.

Nota: 10/10

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