A diversão de fazer terror após uma infinidade de obras de todos os estilos é saber subverter as expectativas, uma vez que o gênero é versátil o suficiente para permitir brincar com a progressão natural das convencionais histórias. E é exatamente essa maestria de novos realizadores que tem dado sobrevida aos filmes. Assim como vemos na trilogia Rua do Medo – uma criativa homenagem ao terror slasher – a Netflix replica a formula de subversão em Um Clássico Filme de Terror (A Classic Horror Story), obra original italiana que busca mesclar estéticas e subgêneros para narrar o que o título avisa de antemão. Mas não se engane, nessa trama de aparências, nada é o que parece.
A trama e o elenco
O horror planta lento e assustadoramente seu mistério na trama, que começa como um típico road movie no estilo Pânico na Floresta, Viagem Maldita e Massacre da Serra Elétrica, quando progride para algo muito mais denso e sombrio. A atmosfera macabra, estabelecida desde os primeiros minutos de introdução, se torna gradativamente angustiante e sinistra.
Com o enredo apresentado, a trama acumula perguntas e mantém o público totalmente entretido, fruto de um roteiro engenhoso e autoconsciente de seus “plágios”, uma vez que não demora muito para referenciar outros filmes – sendo os mais evidentes deles, Midsommar e O Homem de Palha (1973).
Embora a elegância visual seja perceptível desde o início, a trilha sonora só aumenta a tensão e culmina em uma mudança brusca de estilo: passa do filme de estrada possivelmente slasher para explorar seitas satânicas enigmáticas e extremamente violentas.
Nesse ponto, o longa até consegue fazer algo que filmes autoconscientes recentes possuem dificuldade de fazer: se manter por conta própria enquanto homenageia os amados clássicos. E isso se deve e muito por conta dos personagens que, no geral, são bons e, ainda que pouco desenvolvidos, acabamos nos importando com suas vidas, uma vez que o perigo se mostra realmente presente e o roteiro não poupa esforços para fazer muitos deles sofrer sem dó.
O que de início parece ser um grupo estereotipado de jovens adultos, se prova um pouco mais profundo. Não há a típica rivalidade feminina, o macho hetero herói acaba sendo o primeiro a ser abatido e o “nerd”, no fim das contas, se prova muito mais malvado que poderia aparentar.
Matilda Lutz (Vingança) – uma ótima atriz diga-se de passagem – se entrega de corpo e alma à tão comum “final girl” e, nesse aspecto, o roteiro realmente recria passo-a-passo os elementos que transformam essa personagem na sobrevivência f*dona de sempre.
Sem grandes surpresas em sua evolução, quem rouba mesmo a cena é Francesco Russo e a menina Alida Baldari Calabria (Pinóquio). Ambos vivem personagens frios que dão à obra o cinismo necessário para a reviravolta final.
A direção
E por falar nesse plot twist no melhor estilo O Segredo da Cabana – porém menos engenhoso e mais pé no chão – talvez o roteiro tenha mesmo pavimentado um caminho inesperado para que essa conclusão seja criativa a ponto de fazer sentido – o que de fato faz e recomendo o exercício de rever o filme já sabendo dessa resolução. A surpresa é certa e as pistas – presentes desde um personagem que ouve um zumbido no ouvido sem grande explicação na hora do ato – da obra definitivamente levam para outros caminhos menos, digamos, sarcásticos.
Porém, a sensação que fica é de que o roteiro caótico mira em tudo que o gênero pode oferecer e vê qual alvo é acertado, sem que nada faça sentido, com o mesmo sentimento de desânimo de “era tudo um sonho” no fim das contas.
E, com isso, justifica sua bagunça narrativa com a desculpa metalinguística de ser “um filme dentro de um filme”, algo que permite a enxurrada de referências à outras obras e a decisão de “deixá-las mais clichês” e menos “cultuadas”.
A condução dos diretores Roberto De Feo e Paolo Strippoli é assertiva na construção do suspense e do ambiente de medo e perigo que fisga nossa curiosidade, mas quando o desfecho mostra sua real faceta, tudo parece muito mais genérico, proposital e sem inspiração. No fim das contas, o cuspe jogado para alto cai em suas próprias caras, ou seja, ao tentar ser inteligente enquanto brinca com o convencional, cometem os mesmos erros das obras que estavam ridicularizando.
Conclusão
Dessa forma, ainda que tenha um roteiro criativo e feito por apaixonados por filmes de horror, Um Clássico Filme de Terror pode até ser arrogantemente clássico em sua essência, mas não há força alguma para perdurar como as obras que tanto homenageia.
É na tentativa de ser inteligente e subverter clichês do gênero que se perde dentro de sua intenção e faz tudo parecer uma cópia barata – muito menos interessante – de filmes consolidados. Em síntese, Um Clássico Filme de Terror não chega a ser um desperdício de tempo, uma vez que a atmosfera de medo envolve e entretém, mas é mais uma grande oportunidade desperdiçada pela Netflix de criar um clássico sincero.