Reinventar seu legado é definitivamente uma dádiva para poucos e claramente uma maldição quando o tiro sai pela culatra. Especialmente após 17 anos dando o ar da sua graça nos cinemas com 8 filmes-montanha-russa que vão da diversão culposa ao abismo da vergonha alheia. Com – apenas – essa proposta, o novo capítulo/filme derivado/que se passa no mesmo universo da franquia, denominado Espiral (com o subtítulo de O Legado de Jogos Mortais, no Brasil), se esforça na tentativa de ser um refresco à saga de terror que marcou a geração nascida nos anos 2000 e possui uma legião fervorosa de fãs. Porém, essa tentativa de se reformular já existe desde 2017, com Jogos Mortais: Jigsaw, e até hoje não obteve sucesso, culminando neste que – sem dúvida alguma – é o pior capítulo da franquia até então, e olha que a concorrência é grande.
Mesmo quando a história genial e absolutamente criativa, desenvolvida lá nos primórdios de 2003 pela pessoa que viria a se tornar um cultuado diretor no futuro, James Wan (Aquaman, Invocação do Mal), já estava no fundo do poço, os realizadores – sedentos pela fortuna que a franquia maior de 18 anos dava na bilheteria – encontravam cartas na manga para fazer uma espécie de “continuidade retroativa” e, com isso, desfazer decisões a cada novo filme, como por exemplo, a arrastada, confusa e sem nexo morte John Kramer (Tobin Bell). Dessa forma, novas histórias bobas eram criadas dentro de uma trama que evidentemente não tinha mais suco para extrair da matéria-prima.
A trama e o elenco
É importante saber que Espiral: O Legado de Jogos Mortais (Spiral: From the Book of Saw) nasceu de uma ideia de que o comediante Chris Rock (Todo Mundo Odeia o Chris) teve e apresentou aos executivos da Lionsgate, que adoraram esse tal novo “ponto de vista” e começaram a produção do filme que vinha sendo tratado como “o capítulo mais sangrento” e um novo caminho para a franquia seguir após tantos fracassos. De fato, ao terminar o longa, é possível ver que a trama dialoga bastante com os tempos atuais e possui reflexões importantes sobre racismo, violência policial e corrupção.
Porém, todos esses elementos são inseridos dentro de um roteiro enfurecidamente superficial, genérico e extremamente mal trabalhado. A tal promessa de rios de sangue vai por ralo abaixo e, sinceramente, não sei como isso serviu de marketing, uma vez que esse é, de longe, o filme menos violento, com menos armadilhas e todas elas filmadas sem aquela aflição que tanto fez a franquia surpreender. Cada decisão criativa soa absolutamente forçada para se encaixar na saga e, no fim, a sensação é de que estamos assistindo um filme de baixo orçamento, feito por fãs que queriam tentar prestar uma homenagem ao estilo de Jigsaw.
E por falar no vilão máximo, não, ele não está presente, apesar de ser citado o tempo todo e o roteiro tratar, desde o começo, que o tal novo assassino trata-se apenas de um imitador, que usa o dilema moral de John Kramer para fazer policiais corruptos pagarem pelos seus crimes, sem que haja, como já havia sido desenvolvido na franquia, uma chance de redenção ou mesmo justiça. Os novos jogos são fraquíssimos, pouco inspirados e mergulhados na previsibilidade, assim como a jornada sem ânimo de Zeke, o policial protagonista que precisa lutar contra o tempo para desvendar os crimes antes que o “Jigsaw do camelô” consiga matar mais pessoas em sua espécie de vingança sem nexo.
Porém, nada (é sério, nada mesmo!) é pior do que colocar Chris Rock como esse personagem que irá nos guiar por uma trama sombria, que exige imersão e seriedade para chocar. O ator está perfeitamente péssimo no papel, não convence em ser um policial “durão” e, além do seu senso de humor disfuncional (para não dizer machista e misógino), deveria mesmo atar-se aos filmes de comédia genéricos. As piadas são horríveis, os diálogos tediosos e a atuação de Rock é irritantemente estridente, conseguindo ser uma das piores do ano até agora. Por falar nisso, Samuel L. Jackson (Capitã Marvel), coitado, entra mudo e sai calado ao dar vida – ou seria morte? – ao pai ausente de Zeke, que não serve para absolutamente nada no desenrolar da trama além de usar seu famoso bordão “mother fucker”. Com esses dois pilares desmoronando ao redor, resta a Max Minghella (The Handmaids Tale) fazer algo útil e o ator, mesmo sem grande espaço, é o melhor elemento do filme, apesar do desfecho um tanto quanto de revirar os olhos.
A direção
Ao mirar no suspense angustiante de thrillers policiais, como Seven – Os Sete Crimes Capitais, o diretor Darren Lynn Bousman, já experiente na franquia após ter dirigido os capítulos 2, 3 e 4 depois do afastamento de Wan, acerta mesmo é em uma versão desesperada e frustrante de uma trama criminal investigativa que rende nada além de um prato cheio de previsibilidade. O diretor possui sérios problemas em manter dois elementos fundamentais nesse tipo de narrativa: conexão emocional dos personagens com o público e o nível de tensão em alta.
Aqui, nada realmente funciona. Desde a fotografia amarelada bastante amadora, passando por uma nova versão da trilha clássica que demora para chegar e culminando num ritmo apressado, especialmente no desfecho. A montagem das cenas dos jogos é outra grande frustração. Os games são corridos, mal filmados e solucionados sem engenhosidade alguma. A direção desperdiça tempo na construção de personagens estereotipados, enquanto perde a oportunidade não apenas de explicar lacunas (e elementos, como a própria espiral que dá título ao filme) dessa história até hoje não mencionadas, como também em entregar uma reviravolta surpreende e que, de fato, possa servir de recomeço para tudo. O quebra-cabeça final é terminantemente medíocre para um filme que prometia tanto e não teve a coragem de entregar nada além do óbvio.
Conclusão
Ao juntar as peças, Espiral: O Legado de Jogos Mortais é uma tortura de se assistir, já que cai em sua própria armadilha de reinventar a franquia e proporciona a pior experiência dentro dessa história, sendo não apenas o capítulo mais fraco até então, como também o mais decepcionante para os fãs de Jogos Mortais. Não espere por cenas de ação elaboradas, jogos criativos e sangrentos e um roteiro surpreendente, elementos estes presentes em boa parte dos filmes anteriores. Neste, a direção é caótica, o mistério previsível é solucionado antes do clímax e Chris Rock, mesmo com sua chance de sair da zona de conforto, entrega uma das piores atuações do ano. Um retorno aos cinemas decepcionante de uma franquia de terror que necessita urgentemente ser encerrada, ou a queda vertiginosa rumo ao fundo do poço será em espiral.