O ponto mais forte do roteiro de Passageiro Acidental (Stowaway), nova ficção científica espacial original da Netflix, está mesmo no dilema moral que o enredo instiga o espectador a refletir sobre. Sem que haja muita elaboração, tanto na identidade visual quanto na trama em si, o longa não entrega muita novidade fora do que já estamos acostumados a assistir nesses típicos filmes de sobrevivência no espaço, porém, é exatamente as intrigas e possibilidades criadas através dessa decisão de ter que decidir o valor da vida de cada indivíduo, que mantém a tensão em alta e o envolvimento emocional do público no limite. Mas será que esse simples fato é capaz de sustentar quase 2 horas de filme monótono?
A trama e o elenco
Na trama – até bem interessante dentro das limitações – três tripulantes são enviados para uma missão de duração de dois anos até Marte, porém, durante a metade do percurso descobrem que há mais um passageiro na espaçonave, um técnico de manutenção que ficou preso e acabou sendo enviado ao espaço por engano. Agora, o grupo precisa lutar para sobreviver com a baixa reserva de oxigênio e comida que havia sido planejada para apenas duas pessoas. Dessa premissa, o roteiro centraliza suas energias no desenvolvimento interpessoal e nas relações humanas naquele lugar claustrofóbico e distante de qualquer tipo de vida. Os personagens, ainda que com pouco background, são cativantes e diferentes entre si. Esse fato ajuda o nosso envolvimento emocional quando o grupo precisa decidir por sacrificar um dos membros em prol de não apenas salvar a missão de bilhões de dólares, como também a vida dos demais a bordo. No melhor estilo Alien: O Oitavo Passageiro (só que, claro, sem sangue e tripas), o clandestino gera atritos e desconfianças que fazem o grupo se partir em pedaços.
Só há um problema: o passageiro indesejado é um homem negro (vivido pelo ator Shamier Anderson) e, mesmo que não tenha a intenção, colocar uma pessoa preta nessa posição de clandestino e trabalhar em cima disso desconfianças nos demais tripulantes, está na linha que beira o racismo estrutural, mas ok, se esse detalhe infeliz for ignorado, sobra mesmo para o ritmo monótono da primeira metade do filme, que cresce conforme o grupo precisa se arriscar fora da estação espacial, mas que não entrega tanto potencial de reviravolta como estava sendo prometido. O elenco, por sua vez, está excepcional. Toni Collette (Hereditário) é um monstro em tudo que se propõe fazer e aqui não é diferente, mesmo que a atriz tenha pouco espaço (perdão o trocadilho) em cena. Já Anna Kendrick (Crepúsculo) rouba a cena e, curiosamente, consegue se afastar da imagem comediante que possui para viver uma personagem bastante carismática e densa. Daniel Dae Kim (Lost) está apenas de passagem e não se destaca entre as duas ótimas atrizes, uma pena.
A direção
A condução de Joe Penna (Ártico) é excelente na construção da atmosfera de suspense, especialmente através das dificuldades de locomoção no espaço, no entanto, o diretor acaba por gastar recursos introdutórios demais na primeira metade de Passageiro Acidental, que deixam a narrativa lenta, explicativa e, no fim das contas, desanimada sem saber como inovar utilizando a fórmula sci-fi convencional. Se a trama não fisga no começo, dificilmente irá impactar no clímax e o desfecho – abrupto – se torna ainda mais apressado, mesmo que melancólico e poético dentro da proposta intimista que ganha força nos últimos minutos. Não há cenas de ação, não há terror e o drama, mesmo sendo bom, se dilata além do necessário, ou seja, a sensação é de que um enorme potencial foi desperdiçado nesse que poderia ter a mesma energia vibrante de obras como Vida e Gravidade. Tanto a trilha, ausente nos momentos mais essenciais, quanto o design de produção, nada sobressai. Resumidamente, é como abrir um promissor pote de sorvete no freezer e achar feijão que sobrou da janta dentro.
Conclusão
Dessa forma, Passageiro Acidental desenvolve um drama sólido através do interessante dilema moral que é bastante bem-vindo em sci-fi’s de sobrevivência, mas sua trama cai na monotonia e expõe o quão falha é na originalidade. Se dependesse dos esforços do elenco, o drama seria puro deslumbre, mas, infelizmente, o problema nasce muito cedo, no roteiro inconsistente e na direção que preza por não sair da zona de conforto, mesmo tendo em mãos o potencial de fazer algo profundamente superior.