Crítica | Um Príncipe em Nova York 2 diverte, mas replica humor cafona dos anos 80

Dar sequência a um clássico que marcou gerações é também correr o risco de cometer os mesmos erros duas vezes. A comédia talvez seja o gênero cinematográfico que se torna datado mais apressadamente e, através disso, uma trama divertida e lúcida acaba por se tornar algo constrangedor com o passar do tempo. Felizmente, Um Príncipe em Nova York 2 (Coming 2 America) não segue por esse caminho. Seu roteiro, consciente de que em 30 anos de hiato muita coisa mudou na sociedade, resgata a essência da comédia escrachada de Eddie Murphy, mas subverte o humor ácido para algo contemporâneo, versátil e, de quebra, aproveita o melhor que essa história trouxe para o mundo, afinal, em 1988 (data de lançamento do original) era raro um elenco majoritariamente negro ocupar um filme blockbuster. Se hoje a Marvel Studios é indicada ao Oscar por Pantera Negra ou os filmes de terror de Jordan Peele fazem sucesso global, tudo isso se deve as barreiras derrubadas por Um Príncipe em Nova York e sua audaciosa premissa.

A trama e o elenco

Ao aproveitar esse magnetismo fantástico, a trama da sequência funciona como uma reunião do grandioso elenco original e que revisita (com muita diversão para disfarçar os evidentes retcons), os melhores momentos do passado, inclusive, preenchendo lacunas de histórias que ficaram abertas após tantos anos. Dessa vez, o rico Príncipe Akeem (Eddie Murphy), que agora é Rei de Zamunda, descobre que, além de suas três filhas guerreiras, deixou um herdeiro homem durante sua passagem por Nova York no passado e que esse sujeito precisa assumir o trono por conta de uma lei ultrapassada que não permite que mulheres possam ser rainhas no país. Dessa premissa simples e bobinha, a trama viaja novamente para o bairro do Queens, dessa vez moderno e tecnológico, para encontrar o tal jovem Príncipe, enquanto debate diversos pontos interessantes sobre a mudança de pensamento da sociedade em um período tão curto de tempo.

Além do retorno de Murphy, tirando o pó de suas roupas luxuosas, em um dos papeis que transformaram sua carreira no sucesso que já foi um dia, o longa conta com o retorno de praticamente todo o elenco original, mas acaba por dar mais destaque aos novos membros da equipe, deixando os veteranos mais como base para a trama se desenvolver. Jermaine Fowler (Sorry to Bother You) e KiKi Layne (The Old Guard) formam uma dupla excelente em cena, que reflete perfeitamente a mudança de gerações desde o original. Mas o humor se sustenta mesmo em cima de Leslie Jones (Caça-Fantasmas) e Arsenio Hall (Os Donos da Noite). Fora isso, há participações especiais divertidíssimas e uma energia contagiante, que permeia toda a aventura com números musicais coloridos e momentos de tirar o fôlego da direção de arte e figurino. A grandiosidade da produção realmente impressiona, assim como o espaço que o roteiro consegue encontrar para utilizar todo o seu elenco monumental. A sensação é de que cada um quer um pedaço do bolo dessa festa de retorno.

A direção

Poucas vezes um cineasta compreende tão bem a essência de outro e continua seu legado com a perfeição que Craig Brewer (Meu Nome é Dolemite) faz sobre o trabalho de John Landis, que não retorna para comandar Um Príncipe em Nova York 2. Mesmo sem a base do primeiro filme, Brewer dá seu melhor e sabe muito bem dosar o humor com o drama, especialmente ao dirigir Murphy. As sequências de ação são bem elaboradas, assim como a química entre todos do elenco. Ainda que busque, claro, replicar a vibe da franquia, o diretor aproveita o espaço que sobra entre uma cena de ação e outra para elevar o nível de produção, brincar com planos mais ousados e reestruturar o tipo de humor da obra, uma vez que o original tratava as mulheres como objetos a serem conquistados.

Dessa vez, as personagens femininas possuem mais destaque, são independentes e não há nudez gratuita, algo que até hoje incomoda no original. Além disso, a trama levanta questões raciais através de um olhar mais aguçado, destemido e irônico, que transforma o teor das piadas ácidas em algo realmente sofisticado. No entanto, há sim alguns problemas indefensáveis que sobrepõem as qualidades em diversos pontos. Se por um lado o roteiro acerta em atualizar as gracinhas datadas, por outro, ainda se mantém preso a elementos problemáticos, como quando passa pano para um possível estupro e, para piorar a situação, usa esse plot como fagulha para dar início a toda a trama do longa, ou pelo fato de que sim, ainda que divertido aqui e ali, o roteiro não foge de repetir o senso de humor cafona dos anos 1980 e replica a fórmula na cara dura, sem dó nem piedade.  

Conclusão

Inegavelmente, é um enorme privilégio para nossa geração ver uma reunião tão bem realizada de um elenco negro que modificou a história do cinema de comédia, porém, Um Príncipe em Nova York 2 se sustenta apenas por replicar o humor careta dos anos 1980 que, ainda que haja atualizações necessárias, especialmente na forma como as personagens femininas são retratadas, o longa é muito mais uma reformulação do clássico do que uma sequência realmente necessária. Seu roteiro serve como um braço saudoso, que aquece o coração dos fãs mais apaixonados, mas, se tirar a nostalgia e a grandiosidade da produção, resta pouquíssima novidade que dê fôlego para a franquia durar mais 30 anos.

Nota: 7/10

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