Crítica | Raya e o Último Dragão – Muita técnica e pouco coração

Definitivamente a Disney está cada ano que passa mais consciente da necessidade de reconfigurar seu modelo de expressão e corrigir erros históricos. O estúdio, que melhor reflete a consciência da sociedade desde meados do século passado e que, através de suas animações e filmes em live-action busca dialogar diretamente com a geração do momento, abandou de vez a fórmula “princesa frágil” e “amor idealizado” para centralizar suas narrativas em personagens guerreiras e donas de suas próprias histórias. Além disso, parece que a Casa do Mickey vem percebendo a imensidão do mundo além da América e apostando forte em ambientações fora do eixo. Essa junção de elementos citados chega em seu ápice com a vistosa aventura Raya e o Último Dragão (Raya and the Last Dragon), nova animação 3D do estúdio, mas que, por outro lado, se contenta com uma trama bastante convencional, simples e genérica.

A trama e o elenco

Após um colapso global, que transformou boa parte dos seres vivos em pedra, a jovem Raya (dublada no original por Kelly Marie Tran, de Star Wars) precisa lidar com o luto de ter perdido seu pai, ao mesmo tempo que busca encontrar todas as partes perdidas de uma esfera poderosa, que pode trazer os lendários dragões mágicos de volta a vida e reverter a situação do planeta. Nessa jornada através dos reinos, a menina encontra aliados, incluindo a doce Sisu (Awkwafina), uma dragão que consegue controlar a água, para ir até o fim com o plano de salvar a humanidade. Ou seja, é perceptível que a premissa reune diferentes ideias, já utilizadas em outros filmes, afinal, é difícil não lembrar das icônicas Esferas do Dragão, de Dragon Ball, ou mesmo de outras animações recentes, como Frozen. Apesar de desenvolver, com bastante maestria, uma ambientação oriental riquíssima em detalhes e paisagens de tirar o fôlego, as engrenagens que movimentam a história de Raya e o Último Dragão são pouco originais.

Por outro lado, diferente do vexame que a Disney fez no live-action de Mulan, ao tentar humanizar uma vilã sem desenvolvimento algum, Namaari (dublada por Gemma Chan) é uma das melhores e mais complexas personagens da história e o roteiro trabalha perfeitamente suas nuances. Desde sua relação conflitante com sua mãe até mesmo o dilema que vive ao ter que escolher entre ter honra ou piedade, toda evolução da sua personalidade a torna verossímil e, no fim, realmente emociona, algo que vemos pouquíssimo em vilãs de animações. Essas relações pessoais que o roteiro consegue estabelecer são os pilares de sustentação da história, que não a permite desmoronar ainda que tome decisões previsíveis ao longo do caminho e que entregue em um desfecho preguiçoso em relação a grandiosidade que havia sido prometida. Já o humor, por sua vez, segue na medida certa da Disney, mas provém do excesso de personagens “fofinhos”, feitos apenas para arrancar suspiros do público, mas que não possuem lá grande relevância para a jornada.

A direção

Um dos maiores problemas da condução da dupla Don Hall e Carlos López Estrada está no ritmo acelerado em que escolhem contar essa história, na contramão da delicadeza das mensagens exploradas e da trajetória de amadurecimento da protagonista. Uma após outra, cada cena de ação é inserida e, ainda que seja instigante de assistir, acaba pecando em momentos em que dar uma desacelerada seria ideal para o drama alcançar o público com profundidade, especialmente do meio para o final, quando a narrativa se torna cada vez mais intensa e desenfreada. Ainda assim, é notável a sensibilidade dos realizadores em criar uma personagem feminina forte, independente e que não há qualquer alusão à homens e/ou príncipes na sua jornada individual, fora os maravilhosos gráficos com textura e os recursos visuais das animações da Disney, cada vez mais realistas e surpreendentes.

Conclusão

Com isso, ainda que proporcione uma aventura enérgica e colorida por cenários deslumbrantes, o roteiro preguiçoso e previsível de Raya e o Último Dragão decepciona em grande nível. Após tantas obras brilhantes nos últimos anos, a Disney entrega muito mais técnica do que coração dessa vez. No entanto, mesmo com problemas, o roteiro desenvolve uma nova princesa que é dona de sua própria lenda, uma ambientação rica em diversidade e, claro, as boas e velhas mensagens de sempre. Deve agradar as crianças mais novas, mas está longe de valer o custo adicional do Premier Access que o Disney+ está cobrando para assistir o filme em casa, é melhor mesmo esperar chegar sem custo ao catálogo em abril, pois o arrependimento para o bolso não é tão animado assim.

Nota: 7/10

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