É interessante pensar que, mesmo após 17 anos, a comédia teen Meninas Malvadas ainda serve como forte influência para tratar assuntos como amadurecimento e rivalidade feminina em filmes do gênero e agora, às vésperas do Dia Internacional da Mulher, a Netflix presenteia seus assinantes com uma obra que é puro reflexo dessa onda revolucionaria que a indústria do entretenimento vive, ao abordar a luta por igualdade de gênero dentro de um contexto contemporâneo e por uma geração que já possui todas as ferramentas em mãos para fazer a diferença. Mas se os tempos obscuros mudaram e a garotada já sabe o caminho certo a seguir, então, por qual motivo Moxie – Quando as Garotas Vão à Luta é tão significante assim? Simples: ele ensina, com maestria e sensibilidade, como usar essas ferramentas da forma correta.
A trama e o elenco
Na premissa, Vivian é uma menina branca cercada de privilégios que, diferente de grande parte de sua geração despreocupada com as mudanças do mundo durante o período do ensino médio, possui uma mãe badass, que costumava ser militante de causas femininas e raciais durante sua adolescência. Essa chama revolucionária da família começa a se acender também na jovem, que cria – secretamente – um clube feminista na escola visando questionar o patriarcado ao seu redor. Logo a ideia se espalha e Vivian percebe que a luta não é tão simples quanto parecia ser. Dessa premissa, adaptada do livro best-seller da autora Jennifer Mathieu, a produção da Netflix entrega humor adequado, militância no nível certo e bastante reflexão sobre o futuro das mulheres em um mundo que não aceita mais a supremacia masculina.
Diferente de obras mais densas como Euphoria, e ao mesmo tempo muito semelhante em questão de conteúdo simples e direto, o roteiro utiliza um humor inteligente para instigar e se conectar diretamente com o público jovem, como por exemplo, vemos também na série Sex Education. Hadley Robinson (Utopia) está absurdamente boa no papel da protagonista que, diferente das meninas negras do colégio, que são condicionadas desde muito novas a revidar o ódio que recebem, começa a descobrir seu papel no mundo e que sua voz, como mulher, pode ser ouvida em alto e bom som.
O roteiro perspicaz tem plena noção de que cada indivíduo tem seu tempo e de que a tal “bravura” é despertada em momentos distintos da vida de cada um. Com isso, explora, com bastante carinho, os diferentes tipos de famílias em cada uma das meninas retratadas, desde a mais conservadora, reflexo de uma barreira criada para sobreviver como imigrante nos EUA, até as meninas negras que precisam lutar duas vezes mais para conquistar seus diretos em um mundo governado pelo racismo estrutural.
Alycia Pascual (Saved by the Bell) agrega ainda mais emoção e raiva à trama e sua atuação, juntamente com Lauren Tsai (Legion) e Sydney Park (Pretty Little Liars: The Perfectionists), são puro deleite para os olhos dos espectadores. O elenco todo, sem tirar nem pôr, está sensacional e cada personagem completa as lacunas emocionais dos outros. Aliás, Nico Hiraga, que vive o namorado “feministo”, serve como equilíbrio para que parte do público, incomodado com o espaço dado as narrativas femininas, não possa taxar o movimento de “buscar superioridade feminina” ou “rebaixar os homens”, já que o jovem tem a sensibilidade de compreender e respeitar seu lugar de fala, afinal, a luta contra a desigualdade precisa de aliados de todos os gêneros.
A direção
Que Amy Poehler é uma revolução em pessoa, isso nós já sabemos, mas é saboroso ver o tamanho de seu talento em uma trama totalmente refrescante e jovial. Seu trabalho de condução em Moxie prova, de uma vez por todas, que está longe de ser apenas sorte que fez Parks and Recreation e Saturday Night Live serem sucessos absurdos no meio da comédia mundial. Poehler dirige com maestria e sabe perfeitamente conduzir a emoção do público sem deixar o ritmo ser afetado, muito parecido com o que Mindy Kaling faz na série Eu Nunca. Desde a trilha sonora super atual (até Cansei de Ser Sex nós ouvimos!), até a composição colorida dos cenários, tudo é pensado para harmonizar com o universo jovem em que a atmosfera se desenvolve. Além disso, com sabedoria, o roteiro ainda encontra espaço para mostrar o despreparo do sistema educacional que ainda se mantém nas regras estabelecidas no passado e que se recusa a compreender que o acesso a informação gerou uma nova e poderosa leva de jovens e crianças “desobedientes”.
Conclusão
Através disso, Moxie – Quando as Garotas Vão à Luta é uma comédia madura, divertida e saudável que, com sua mensagem poderosa e roteiro assertivo, mostra que precisamos de mais filmes adolescentes com esse nível de profundidade. A pequena chama de revolução que habita no interior de cada um de nós é também o combustível dessa história repleta de diversidade, aceitação e igualdade, sobre encontrar sua voz dentro de uma geração que já nasce com o privilégio de tantas lutas que o mundo enfrentou. Quando essa fagulha pega fogo, ninguém mais pode deter o incêndio que transforma o mundo em um lugar melhor. Sem dúvida, o filme teen que precisamos nesse momento.