Se me permite fazer um paralelo inusitado com outro produto do cinema espacial, o drama Ad Astra – Rumo às Estrelas, em que vemos o protagonista (vivido por Brad Pitt) viajar até os confins do universo para resolver questões de relacionamento com seu pai desaparecido, em Lucicreide Vai Pra Marte, comédia brasileira estrelada por Fabiana Karla, a premissa segue semelhante: a protagonista precisa se preparar psicologicamente para partir rumo ao espaço para que, com isso, possa perceber o valor do seu círculo familiar.
Obviamente as semelhanças param por aí, mas ambas as obras possuem essa qualidade em comum: mostrar que não há como fugir de si mesmo. E o cinema faz isso muito bem, ainda que em níveis diferentes. Mesmo com seu humor escrachado e piadas estereotipadas, a comédia conquista por colocar algo tão palpável em um ambiente totalmente inóspito para o cinema nacional.
A trama e o elenco
A trama revisita a pernambucana arretada Lucicreide, sucesso do programa de humor da Rede Globo, Zorra Total, e serve como spin-off da personagem ao mostrar como ela está nos dias de hoje: sobrecarregada com sua rotina de dona de casa, faxineira em casa de rico e ser praticamente mãe solteira com cinco filhos. Porém, cai sobre seu colo a oportunidade de ir para Marte em uma missão espacial com uma viagem só de ida. Logo, ela aceita o desafio e parte para a maior e mais absurda aventura de sua vida.
Dessa premissa um tanto quanto maluca, Fabiana Karla se diverte no papel ao assumir trejeitos e gírias do nordeste e se torna o maior atrativo da história com seu humor ágil, simples e bastante natural, ainda que a personagem, uma vez ou outra, seja levemente cansativa. Adriana Birolli (Fina Estampa), por sua vez, entrega uma vilã tão mergulhada no estereótipo da maldade que parece ter sido retirada direto de um filme qualquer da Disney. O restante do elenco é bom, destaque para Renato Chocair, que possui uma performance mais densa, e para as crianças talentosas e divertidas.
Como Lucicreide, personagem criada por Karla quando ela tinha apenas 14 anos, serve de espelho amplificado para retratar a realidade dura de inúmeras brasileiras que se desdobram em múltiplas funções, o roteiro permite reflexões sobre esse dilema e outros assuntos acabam sendo pincelados no meio, porém, a novidade está mesmo na ambientação espacial, que dá um toque de originalidade à obra. Mesmo que exagerado, o humor funciona para o nível de personagem que a trama aborda e as piadas, na grande maioria das vezes, se sustentam pela sagacidade de Fabiana em improvisar.
No entanto, se a graça for extraída, sobra um roteiro bastante raso e clichê, sem ápices dramáticos, criativos e que apenas replica fórmulas já estabelecidas. O desenrolar da história é previsível, apressado e sobrepõe diversos momentos em que o drama poderia ter mais espaço, especialmente para trabalhar esse lado emocional da partida da personagem e da saudade que sente de seus filhos. A sensação que fica é de que o roteiro tenta inserir emoção em pontos específicos, mas teme pesar a mão e ofuscar a leveza da história. Infelizmente, essa ausência de equilíbrio mostra o quão superficial a trama é, quando tinha potencial para ser um salto promissor no universo.
A direção
O trabalho de condução do diretor Rodrigo César (A Presepada) é eficiente na forma como consegue manipular e utilizar a inocência da protagonista em relação ao mundo gigantesco que existe fora do seu humilde bairro. De fato, Lucicreide deixa seu pequeno quadro em um programa de humor para sustentar um longa-metragem de uma hora e meia de duração. A tarefa não é fácil, mas a direção opta por abraçar clichês narrativos e instiga o espectador a suspender a descrença.
Somente dessa forma, a comédia diverte mais do que se poderia esperar, especialmente pela feliz adição de referências à clássicos da ficção cientifica, como Star Wars e Alien. As cenas de sonhos lúcidos da protagonista são, de longe, as mais hilárias. Fora isso, os cenários reais, gravados na sede da agência espacial americana (vale notar que se trata da segunda vez que um filme tem permissão para ser rodado no local, sendo o primeiro, o blockbuster Armageddon), são curiosos e proporcionam uma gentil aula de história espacial para as crianças.
Conclusão
Através do genuíno humor com gostinho brasileiro e da divertida entrega de Fabiana Karla ao papel que marcou sua vida, Lucicreide Vai Pra Marte acrescenta uma ambientação incomum às comédias nacionais, ainda que necessite de bastante suspensão da descrença para digerir toda a piração da trama. Diversão garantida para toda a família em um filme plenamente consciente do tipo de humor escrachado que deseja fazer. E fica aqui o desejo de ver o cinema nacional, seja nos dramas complexos ou nas comédias escapistas, alcançar cada vez mais o universo além do convencional.