Primeiras Impressões | WandaVision é um marco televisivo com o selo de qualidade da Marvel

Já faz algum tempo que Marvel Studios não é apenas sinônimo de entretenimento, já que a gigante serve também para ditar tendências na cultura pop como nenhuma outra produtora atualmente consegue fazer. A tal “fórmula Marvel” se tornou base de muitas produções e, mesmo que haja críticas sobre a saturação de alguns aspectos desse modelo ao longo da década, nada se compara ao planejamento e a eficiência de como o estúdio consegue estar sempre um passo à frente de qualquer expectativa. Essa máquina desenfreada de produzir hype deu seu primeiro grande salto lá em 2008, com o tímido, porém ambicioso, Homem de Ferro, e agora, 13 anos depois, tem o poder e audácia de ser o evento cinematográfico do ano, mas com um gigante detalhe: dentro do streaming. A aguardada WandaVision já está entre nós e inaugura a misteriosa Fase 4 do estúdio, que deverá se focar em como está o mundo após os eventos de Vingadores: Ultimato, além de introduzir o conceito de multiverso e realidade paralelas e, claro, preparar o terreno para a próxima cruel ameaça após o reinado de Thanos (Josh Brolin).

Começo promissor

No intuito de desconstruir o modelo padrão do cinema, a Marvel Studios arrisca encaixar seu selo de qualidade no formato seriado e manter conexões diretas com os próximos filmes. Essa aventura pelo streaming, além de ser uma forma de se reinventar, ainda possibilita uma liberdade criativa maior, mais ousada e despreocupa com a passagem do tempo na sala escura. E se engana quem torce o nariz para séries de TV, já que o objetivo (e os orçamentos milionários) é fazer aquela produção ter a mesmíssima qualidade técnica das produções cinematográficas e é isso que podemos conferir no começo promissor e criativo de WandaVision, série que coloca a poderosa Feiticeira Escarlate e o inteligente (e já falecido) Visão em um subúrbio americano, precisando se adaptar a vida pacata do modelo “comercial de margarina”. E se é para fazer TV, então nada melhor do que utilizar essa primeira série como uma espécie de “rito de passagem” das telonas para as telinhas, já que, brilhantemente, WandaVision presta homenagem à história da televisão americana enquanto acostuma o público ao novo formato curto, dividido em capítulos e com ganchos no desfecho de cada um deles.

A produção basicamente mergulha no conceito de “como fazer TV”, brinca com a metalinguagem e desmembra suas regras para que possa ditar a nova tendência do streaming e se aproximar o cinema, enfraquecido pela ausência de novidades, do que está rolando na casa de cada um dos indivíduos. Ainda que, claro, a Netflix já tenha feito esse elo entre streaming e cinema, o assunto nunca descansa e o objetivo da Disney aqui não é ser inimiga da arte cinematográfica, mas sim, a maior aliada, para que a mesma possa sobreviver sem a ajuda de aparelhos. Bem, dito isso, vamos prosseguir com os dois capítulos disponíveis para completar essas primeiras impressões de WandaVision, que inicia sua história de forma abrupta, sem nenhuma explicação de como Wanda, que terminou Ultimato aparentemente bem e no “mundo real” e Visão, já falecido, foram parar nesse universo em preto e branco das sitcoms. Entre uma piada divertida e outra, pequenos detalhes tornam a jornada completamente estranha, intrigante e numa vibe Iniciativa Dharma, de Lost.

Uma jornada através do tempo

A trama abre na década de 1950, com Wanda (Elizabeth Olsen) e Visão (Paul Bettany) recém-casados e morando no subúrbio machista e convencional dos EUA. Nesse contexto, descobrimos que ambos possuem poderes escondidos e que é essa a premissa da sitcom que eles estão inseridos: ninguém pode saber que, naquele bairro tão amigável, exista dois seres “mágicos” que podem atravessar paredes, manipular o tempo e fazer objetos flutuarem. Inspirada em produções como I Love Lucy, que marcaram a televisão no seu nascimento e que forneceram entretenimento para as massas, a história se desenvolve como uma divertida comédia de situações, mas, sabiamente, acrescenta, aqui e ali, detalhes que nos leva a compreender que aquele mundo sem cor e hilário, não passa de uma fachada para algo muito assustador que está sendo manipulado “por trás das câmeras”. Seria mesmo Wanda a responsável por criar essa realidade fictícia para que pudesse viver feliz com Visão ou há alguém mexendo os pauzinhos dentro de sua mente?

Após o capítulo inicial bem curto (no formato das sitcoms) e até mesmo lento, o segundo coloca os protagonistas em outra década e mergulha, ainda mais fundo, nas estranhezas e bizarrices dessa realidade distorcida, no melhor estilo O Show de Truman e repleto de “falhas na matrix”. A tal vida perfeita de Wanda não pode sair do controle, senão ela precisa intervir com seus poderes para anular e corrigir os buracos desse mundo televisivo. O humor de ambos os capítulos é bom e brinca com as características dos heróis, como o fato de Visão não precisar comer para soberviver e de Wanda usar sua “magia” para arrumar a casa, além disso, ainda serve de paródia para as atuações engessadas das comédias clássicas e pela falta de naturalidade das produções da TV no século passado, que constantemente seu elenco olha para as câmeras e tem plena consciência de que há um público em casa assistindo e interagindo.

A bruxa e o ilusionista

O elenco, por sua vez, está fantástico. Olsen, que cresceu vendo suas irmãs Mary-Kate e Ashley Olsen atuando em Três É Demais, resgata a energia cômica da época, sem contar que seu rosto familiar remete a nostalgia desse tipo de seriado em nossa infância. Porém, quando a trama fica intensa, a atriz consegue, com poucas expressões, passar a preocupação e o ar sombrio que deve assumir mais para frente na história, quando a doce Wanda se transformar na bruxa escarlate traumatizada, que esbanja seus poderes e que representa uma forte ameaça aos Vingadores. Já Bettany, que rouba a cena no segundo episódio, também se dá muito bem com o humor. Além da dupla, Kathryn Hahn, que vive a vizinha fofoqueira Agnes, é o grande mistério da temporada e deve assumir um papel muito mais denso e obscuro do que a simples amiga prestativa. A dinâmica entre ela e Olsen está ótima e deve se intensificar.

A Marvel acertou de novo!

Através disso, com esses dois primeiros capítulos divertidos e excêntricos, é claro notar como WandaVision é promissora e como representa, com facilidade, um marco televisivo para o streaming com o selo de qualidade da Marvel. Além de ser uma carta aberta de amor a história de televisão americana, a série aprisiona seus personagens dentro do mundo imaginário e escapista da TV. Ou seja, é a Marvel convidando os fãs assíduos do cinema à mergulhar em outra plataforma e compreender, de uma vez por todas, que a chave para o futuro está na aliança entre as janelas. Mais uma vez se prova que o ponto de vista conservador de Martin Scorsese está equivocado: a Marvel, quer você goste ou não, é arte e WandaVision deixa isso bastante evidente.

Nota: 9/10

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