Após uma terceira temporada desastrosa, O Mundo Sombrio de Sabrina (Chilling Adventures of Sabrina) está de volta para sua quarta e última temporada, já que a produção foi cordialmente cancelada pela Netflix mesmo com outros anos já confirmados. E isso é visível nesse desfecho apressado e abarrotado de informação. A sensação inicial é de que duas partes foram fundidas em uma e, enquanto o roteiro precisa correr contra o tempo para dar um final adequado para todos os muitos personagens, o arco da temporada também necessita existir e trazer novos perigos para a vida da jovem bruxa e sua cidade amaldiçoada. Como se pode imaginar, a divisão de energia acaba por deixar o encerramento sem substância, mesmo com a tentativa de trazer algumas novidades aqui e ali em determinados episódios. Tanta incoerência e falta de apreço da produção aos detalhes faz com que a despedida de uma das séries teen mais populares do streaming perca sua magia com o gosto amargo da pressa.
Onde paramos até aqui?
Vale lembrar, para começo de conversa, que O Mundo Sombrio de Sabrina, terror sobrenatural desenvolvido por Roberto Aguirre-Sacasa para a Netflix, sendo baseada na série de histórias em quadrinhos de mesmo nome, surgiu como uma grande aposta do serviço de streaming em 2018 e ganhou força por se conectar (ou se passar no mesmo universo) de outra grande produção teen da época, Riverdale. Além disso, também funciona como uma refilmagem da produção original de sucesso, lançada na TV em 1996 que, por sua vez, foi comparada com a série de televisão A Feiticeira, dos anos 1960, e foi considerada uma versão adolescente da mesma. Com tamanho peso e responsabilidade, ao todo são 36 capítulos, divididos em quatro partes, focados nas aventuras sombrias da jovem bruxa e sua cidade azarada. Desde passagem pelo inferno até se aventurar no mundo dos mortos, Sabrina vem decaindo de qualidade e ânimo a cada nova parte lançada e essa perda gradativa de fôlego se reflete totalmente em seu último momento de brilhar, lançado agora, em 2020, na plataforma.
A jornada termina
São oito novos capítulos que apresentam o arco popular dos quadrinhos dos Terrores Sobrenaturais, ou seja, entidades mágicas que possuem poderes diversificados e que surgem em Greendale para dar um fim ao paradoxo criado pela existência de duas Sabrinas no mesmo universo. Seguindo o modelo “monstro da semana”, cada capítulo introduz uma dessas forças mágicas e, juntos, preparam a trama para o desfecho, com o confronto final entre a jovem bruxa e o Terror mais poderoso de todos, conhecido como O Vazio. Dentro desse plot central, a série explora, precariamente, alguns personagens e deixa a trama de outros completamente de lado, como do jovem Theo (Lachlan Watson), aliás, praticamente todos os amigos de Sabrina, com exceção de Roz (Jaz Sinclair), que realmente possui um novo arco (ainda que incoerente com tudo apresentado sobre ela até então), são deixados de escanteio para que o encerramento possa dar mais espaço para explicar (e corrigir) o lance do inferno e da ligação entre as duas Sabrinas. Essa parte da trama, herança da terceira temporada, é completamente sem ânimo e desanimadora de acompanhar. E para piorar, se estende por bastante tempo.
Por outro lado, a jovem Kiernan Shipka, que dá vida à protagonista, segue boa em sua performance e tem bons momentos em que precisa se aprofundar na emoção. Ela segura o papel, como fez desde o começo. Definitivamente, sua atuação sempre foi um ponto alto da série, no entanto, é Sabrina que está mal escrita nessa temporada. A personagem assume um manto de narcisismo e carência insuportavelmente chato e, após tudo que já passou em sua jornada do herói, desde quando descobriu seus poderes, passando por toda sua aventura no inferno, parece que os roteiristas não sabem mais como subir de nível e deixam sua história sem rumo, sem propósito, servindo apenas de fio condutor para o novo conflito. Apesar de estar presente em todas as cenas, Sabrina não é mais quem guia ou quem resolve os dilemas, ela apenas está ali e o destino que sua aventura toma serve para provar exatamente que a dona da história não tem mais nenhuma força ou relevância para seguir adiante. A série esgotou todas as cartas que possuía na manga.
O roteiro caótico
O roteiro expositivo está repleto de conveniências fajutas e momentos em que os conflitos, ditos como apocalípticos, são resolvidos sem a menor dificuldade. Em determinado ponto, especialmente na primeira metade da temporada, é cansativo a quantidade de informação em cada cena, como casamentos inesperados, partos de bebês aleatórios, cirurgias sem contexto e a ladeira só desce cada vez mais. Os cortes picotados, mal feitos e corridos atrapalham a passagem de tempo natural da história. A série já possui a característica de ser atemporal e isso é bacana, mas a montagem desenfreada faz esse “buraco no tempo” colocar seus personagens em diferentes situações, uma seguida da outra, sem respiro entre elas.
O excesso de incoerência dramática e das próprias regras criadas dentro da história, só tornam tudo ainda mais inconsistente. Enquanto os cortes apressam o ritmo e aceleram os núcleos, o desenvolvimento da história é demasiadamente lento, somado a forçação de barra de situações como o romance sem sal de Sabrina com o engessado Nick (Gavin Leatherwood) e o clima amoroso mal resolvido da menina com o bobão Harvey (Ross Lynch). Dois personagens masculinos que, se juntar, não dão um de qualidade.
Grandes surpresas antes do fim
No entanto, dentro desse emaranhado de acontecimentos, há sim bons elementos e o melhor deles está em como a série escolhe brincar com a realidade e o conceito de multiverso. Em dois episódios em específicos, vemos O Mundo Sombrio de Sabrina virar de pernas para o ar após o feitiço dos Terrores. Em um deles, vemos como seria se Greendale vivesse em uma ditadura distópica, comandada pelo Padre Blackwood (Richard Coyle). O tom obscuro de perigo cresce bastante nesse capítulo e algumas novidades são exploradas, como a mudança no visual de Sabrina e a atuação mais intensa de alguns membros secundários do elenco, como Ross Lynch e Tati Gabrielle, que roubam a cena.
A composição dos cenários e figurinos também são modificados positivamente para acompanhar a vibe dark desse novo contexto. Além disso, há outro capítulo, o sete, sensacional (certamente o melhor da temporada), que faz metalinguagem e se passa dentro da própria gravação da série. Nesse universo, projetado através da magia de um dos vilões, Sabrina é obrigada a seguir o texto, gravar os episódios e rever o piloto da série, lançado em 2018. Funciona perfeitamente como uma grande homenagem à produção e ainda conta com participações especiais das atrizes Caroline Rhea e Beth Broderick, as tias Hilda e Zelda da série original, Sabrina, Aprendiz de Feiticeira (1996-2003), fora outra presença ilustríssima, que vai fazer os fãs mais antigos dar um grande grito (ou miado) de alegria. O horror lovecraftiano, presente no conceito dos vilões, poderia ter rendido ótimos momentos de medo se não fosse tão superficial e raso, já as performances musicais, saltitadas pelos capítulos, são animadas e mereciam bem mais espaço no fim das contas.
Conclusão
Após uma queda brusca de qualidade e conteúdo, para a tristeza dos fãs mais apaixonados, O Mundo Sombrio de Sabrina se despede sem grande impacto, com um desfecho amargo, apressado e totalmente anticlimático. O encerramento horripilante, fruto da falta de criatividade e atenção dos roteiristas, evidencia como uma das séries teen mais promissoras do momento perdeu sua magia ao longo da jornada. Mesmo com algumas surpresas divertidas pelo caminho, a última temporada pega o atalho mais fácil para concluir sua história da forma mais preguiçosa possível e com pouca profundidade emocional. Apesar da falsa ousadia em como a série descarta sua protagonista ao fim de sua aventura maluca, a última cena é a cereja do bolo que estava faltando para que essa festa, desprovida de qualquer imaginação, virasse um enterro. Literalmente.