Crítica | Pequenos Grandes Heróis não pode ser levado a sério

Já faz 15 anos que conhecemos o mundo multicolorido criado por Robert Rodriguez (Alita: Anjo de Combate) com o lançamento do peculiar ‘As Aventuras de Sharkboy e Lavagirl’, filme infantil que fez (e ainda faz) grande sucesso pela maneira singular e lúdica de como retrata super-heróis, especialmente por existir em um contexto anterior à febre do Universo Cinematográfico da Marvel e suas variantes. Com toda sua estranheza e maluquice, o longa conquistou o público e entrou para a cultura pop. Agora, em um novo contexto, a Netflix resolve reviver a franquia e lança ‘Pequenos Grandes Heróis’ (We Can Be Heroes), sequência autônoma e que se passa no mesmo universo do filme de 2005, porém, com a proposta de expandir a história para lugares ainda mais distintos e protagonizado por uma nova geração. Na teoria, a ideia é boa e promissora, já que estamos na tal Era dos super-heróis do cinema, agora, na prática, a experiência é amarga.

A trama e o elenco

Vale destacar, inicialmente, que Taylor Lautner (A Saga Crepúsculo), nome mais conhecido do elenco, pulou fora do barco antes de afundar (como se sua carreira já não estivesse lá no fundo) – saiba o motivo aqui. O astro, que deu vida ao Sharkboy, foi substituído por outro ator que nem fala possui. No entanto, a esquentadinha Lavagirl conta com o retorno de Taylor Dooley (Uma Noite Muito Louca), que não se destaca tanto quanto deveria, já que é Pedro Pascal (The Mandalorian) o foco da vez. Com isso, o elenco adulto é insuportavelmente engessado, enquanto as crianças, que dão vida aos filhos de cada um dos super-heróis estereotipados desse universo caricato, parecem mais estar em um parque de diversões sem regras do que em um filme roteirizado, e olha que isso se torna ainda mais inassistível depois que finalmente nos damos conta de que nem mesmo o roteiro está se levando a sério.

Mas Ok, vamos à trama, que dessa vez acompanha o peso diário que a jovem Missy (YaYa Gosselin) precisa carregar por ser a filha única do super-herói aclamado, vivido por Pascal. Porém, durante uma absurda e sem introdução invasão alienígena ao melhor estilo ‘MIB: Homens de Preto’ e ‘Pequenos Espiões’ sob efeito de entorpecentes, a menina assume a posição de liderança no grupo de jovens com poderes que se unem para salvar o mundo… e os seus pais inconsequentes. Dessa premissa absurdamente água com açúcar, o roteiro desenvolve uma jornada infantil nonsense, carregada da estética 3D que dá ao longa uma textura colorida completamente fantasiosa e exagerada, mas que combina muito bem com o tom da narrativa e com as inúmeras conveniências e facilidades de um enredo sem conflitos elaborados.

Em determinado ponto da história, quando o espectador já está zonzo de tanta insensatez, tudo se torna possível e a imersão nessa atmosfera alucinada vai depender da capacidade de cada indivíduo em suspender a descrença. Para o público alvo infantil, a aventura tem lá sua vibe Disney Channel que pode animar e divertir sem compromisso, agora, para os mais crescidos e os pais que precisam acompanhar a criança, o show de horror é deslumbrante. Há tanto furo de roteiro, erro de continuidade e falta de incoerência das próprias regras estabelecidas, que só resta mesmo assistir com o olhar de uma criança sem critérios.

Nem tudo é uma tragédia

Ainda que exagerados, os efeitos digitais (o CGI) são o menor dos problemas. A estética funciona e até se sai bem com o pouco orçamento que possui e dentro do que busca alcançar. Cada criança tem um poder especificamente estranho e só mesmo com o auxílio do digital para dar vida a tanta imaginação do roteirista. Além disso, talvez o ponto mais positivo seja o fato de que há uma inclusão gentil no elenco, que possui desde uma atriz latina e um ator oriental, como também uma criança cadeirante. Ou seja, a mensagem para os mais jovens, sobre “você pode ser o que quiser, inclusive um super-herói”, é bastante assertiva e bem-vinda, algo que mostra que, apesar da insanidade de sua premissa, Robert Rodriguez tem total liberdade criativa e mostra que sabe o que está fazendo, principalmente, sabe que precisa modernizar e dialogar diretamente com o público jovem atual. O trabalho do diretor, curiosamente, é o elo mais fraco e o mais forte do filme.

A direção

Grande parte do que vemos em tela foi criado na pós-produção, onde são anexadas as toneladas de efeitos digitais para dar vida a cada cena, cada poder e cada detalhe do universo da trama. Uma verdadeira lambança de artificialidade, porém, feita com consciência e maestria por Rodriguez. Ou seja, quanto mais incoerente a trama se desdobra, mais o diretor assume sua falta de substância e mais trip acid se torna, culminando em um desfecho totalmente estúpido e aloprado, que anula toda a história desenvolvida até então em prol de encerrar com o bom e velho “tá tudo bem”. A galhofada se torna ainda mais presente nesse terceiro ato, quando parece que, tanto a direção quanto o elenco, abandonam qualquer seriedade e se deixam levar pela descontração.

Conclusão

Através disso, a única forma de enxergar alguma mínima diversão em ‘Pequenos Grandes Heróis’ é não o levando a sério, já que a aventura infantil hiperbólica extrapola os absurdos com seu roteiro desleixado e desprovido de qualquer coerência. O baixo orçamento, o elenco vago e o aspecto 3D, heranças do primeiro filme dentro desse universo lúdico criado por Robert Rodriguez, são acentuados nessa sequência e provam que boas intenções, por si só, não salvam roteiros vazios. Ainda que tenha uma válida inclusão no elenco infantil e que – desesperadamente – tente ser uma paródia teen de filmes de super-heróis, o humor não tem êxito, as cenas de ação são grosseiras e a trama parece ter sido elaborada por uma criança no jardim de infância.  

Nota: 2

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