Crítica | Euphoria (1ª temporada) – Desafiadora, sublime e melhor série jovem da década

A HBO é conhecida pela intensa qualidade de material adulto de suas séries. De ‘Família Soprano’ à ‘Big Little Lies’, a essência da emissora têm se expandido para caminhos inexplorados, conteúdos ousados e controversos, como é o caso do drama jovem ‘Euphoria’ que, apesar de ser uma trama tipicamente teen, a abordagem é densa e adulta ao lidar com temas como drogas, sexo, crise de identidade, traumas, redes sociais, amor e amizade. Essa união de mundos distintos faz com que a série alcance o sublime patamar de essencialidade, pouco presente nos dias de hoje.

A trama a e direção

Estrelada pela talentosíssima Zendaya (Homem-Aranha: Longe de Casa), a trama de Euphoria gira em torno de uma adolescente de 17 anos chamada Rue Bennett, que se recupera de um forte vício de drogas que quase destruiu sua vida após uma overdose, enquanto busca encontrar seu novo lugar no mundo e fazer amizades, ao retornar para casa de sua mãe por estar sóbria. Nessa jornada, a jovem cruza seu caminho com outras meninas que representam a perfeita personificação da Geração Y e a série aborda suas dificuldades e dilemas. Desde a jovem que tem vergonha de seu corpo gordo e se redescobre empoderada após tomar proveito de uma situação constrangedora, passando pela menina trans que vive encontros com homens casados, até a que tem fotos nuas vazadas na internet e é taxada pelos meninos como “vadia”, ou seja, a série toca em assuntos tabus, porém, com cuidado e responsabilidade ao retratar realidades que facilmente são gatilhos, em especial o uso de drogas. Mesmo que haja uma imagem de fantasia, há por trás uma mensagem de tristeza e agonia.

A produção de Euphoria é dedicada e a parte técnica surpreende já no primeiro episódio, melhorando gradativamente conforme a trama avança e culminando em capítulos que beiram a perfeição técnica e narrativa (como o do Parque de Diversões, por exemplo), fruto da mente visionária de Sam Levinson, diretor do thriller ‘Assassination Nation’ (que inclusive reaproveita diversos planos na série!). Os planos sequência, os plongées e os closes são criativos, estilizados, coreografados e dão a série uma identidade visual extremamente original. No entanto, tudo isso não seria tão profundo se não fosse pelo excelente trabalho de direção de fotografia, que usa e abusa de cores, luzes artificiais e neon para criar uma atmosfera lúdica, entre a fantasia e a realidade, já que evidencia os efeitos mirabolantes do uso de drogas. Fora a mixagem de som e a trilha sonora, de curadoria do cantor Drake (também produtor), cujas canções são pontuais, com artistas da atualidade como Billie Eilish, Lizzo e BTS, que também servem como guia para inúmeras sequências da história.

O uso das cores tem forte influência na série, na identidade das personagens e em seus sentimentos, fora que resgata essa vibe futurista, que domina a nova geração, tanto nas roupas quanto nas maquiagens utilizadas por elas. A narrativa é enérgica e a narração em off dá à série uma trajetória não-linear que, à principio, confunde o espectador, já que o roteiro é construído de forma em que cada episódio se complementa e apresenta a história de um personagem diferente, partindo dos dramas do passado, com traumas, família e infância, para justificar suas personalidades e decisões no momento atual. A direção mirabolante de Augustine Frizzell (atriz no filme ‘Sombras da Vida’), que lembra cenas alucinantes de filmes como ‘Clube da Luta’. Em determinado momento, há uma cena em que a protagonista caminha por um corredor e todo o lugar gira. Ela caminha pelo teto e volta ao chão. Uma das cenas mais espetaculares e bem realizadas das séries recentes da HBO, sem dúvida.

Roteiro

Mesmo com a incrível qualidade técnica, o roteiro possui algumas pequenas falhas, ressaltadas pelo trabalho de montagem. Como cada capítulo se complementa, o começo da série apresenta alguns problemas, em especial nas cenas de sexo e na abordagem das personagens femininas, que são apresentadas de forma crua e fora de contexto, causando a impressão de puro fetiche masculino. Porém, conforme a trama avança e a série deixa claro que a abordagem será a mais realista possível, a jornada das personagens começa a fazer sentido e o desconforto inicial se dissipa, inclusive, afasta a possibilidade de rivalidade feminina e, de fato, foge de possíveis clichês adolescentes, para focar na modernidade das relações amorosas, sendo o sexo, tratado sem tabus.

O elenco

O elenco em si já é uma maravilha. Zendaya absorve todas as oportunidades de brilhar e entrega uma protagonista complexa e profunda, merecedora do Emmy. Sua retração e ausência de expressão se contrapõe com a sua voz doce, que narra seus sentimentos mais íntimos, como se nós, espectadores, fossemos seus confidentes. Além disso, a joia rara descoberta pela HBO é a atriz Hunter Schafer, que já em seu primeiro trabalho na TV já mostra o tamanho do talento que possui ao viver a intensa e peculiar Jules. Barbie Ferreira (filha de brasileira) rouba a cena com todo seu estilo icônico e a jornada dramática de sua personagem talvez seja a mais divertida e cativante até então, mesmo com excelentes tramas sendo desenvolvidas ao mesmo tempo. Já o elenco masculino, o destaque fica para Jacob Elordi (que vive o Nate) e Eric Dane (Grey’s Anatomy), o controverso Cal, ambos perfeitos para seus papéis.

Mesmo com momentos icônicos, como a animação sexual dos integrantes da banda One Direction e a depressão nua e crua da protagonista que não consegue sair de seu quarto, é mesmo o último episódio que personifica toda a beleza estranha da série. Poético e brilhantemente guiado por uma performance musical interpretada pela própria Zendaya, a série se afasta da narração e abre espaço para direcionar algumas tramas para novos lugares, que serão explorados na prometida segunda temporada. O futuro de Rue fica em aberto e a decisão entre viver sua “euforia” ou lidar com mais uma despedida em sua vida certamente irá influenciar os rumos que sua trama seguirá.

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Conclusão

Dessa forma, ‘Euphoria’ não é uma série fácil de ser digerida e exatamente por isso que beira o sublime. A beleza de como suas personagens são desenvolvidas e a perfeição técnica alcançada pela produção, apenas evidencia o poder de alcance da série e sua perfeita narrativa original. Se ‘Skins’ encontrasse ‘13 Reasons Why’, ainda assim não seria tão intensa e essencial quanto ‘Euphoria’, já que subverte o típico drama adolescente para algo mais profundo, denso e realista. Facilmente a maior surpresa da década e felizmente a melhor coisa que você deveria assistir.

Nota: 10

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