Crítica | Vozes – Bons sustos para compensar enredo trivial

A construção de uma atmosfera de suspense que envolva o espectador genuinamente, é uma das artimanhas do gênero mais difíceis de serem alcançadas e, nesse quesito, ‘Vozes’ (Voces), novo terror espanhol original da Netflix, acaba sendo bem sucedido. O roteiro tem a coragem de sacrificar personagens em prol de aprofundar sua intensidade dramática e a direção, muito astuta e eficiente, explora as possibilidades dentro do possível. Por se tratar de uma trama sobrenatural e seguir, em sua estrutura básica, o feijão com arroz clássico de casa mal assombrada, o longa aproveita sim o modelo já existente, mas vai um pouco mais além por ser direto ao ponto e não dar tantas voltas em torno desse novo lugar e dessa família que começa a escutar vozes pela mansão. Ao partir do pressuposto de que o público já conhece esse tipo de narrativa, o enredo se desenvolve bem mais dinâmico e sem pôr em teste a inteligência do espectador.

A trama e o elenco

Em busca de uma nova vida, uma família se muda para uma casa antiga e distante da cidade, porém, como podemos imaginar, o lugar é assombrado por almas que gostam de se comunicar com o mundo dos vivos. Eric, o único filho do casal, começa a ser atormentado por vozes sombrias, que possuem o objetivo de colocar um contra o outro até que seja irreversível a situação. Dessa premissa, que não foge do convencional, a eficiência nasce através da forma de como essa narrativa se desdobra e como o roteiro, destemido, descarta seus personagens no intuito de fugir de alguns clichês, até mesmo o desfecho, totalmente trágico, afasta positivamente esse terror de outros semelhantes. O lugar em si não possui a atmosfera de horror impecável de obras como ‘Invocação do Mal’, mas são as tais almas penadas que provocam pavor e a direção constrói bons momentos de susto, mesmo com o uso exagerado de jump scares. A partir do ponto em que um personagem importante morre, a reviravolta desse fato em específico prende o espectador e deixa evidente que qualquer um pode estar em risco. Uma roleta russa deliciosa e bem aproveitada.

O elenco, por sua vez, é condizente com a proposta e todos estão bons na medida do possível, destaque para Rodolfo Sancho (O Ministério do Tempo), que vive o pai da família. Não há grandes picos de atuação, mas a entrega é boa, especialmente pela dinâmica da família presa em uma casa hostil. Na tentativa de ser um filme sombrio e macabro, comoInvocação do Mal, o terror se aproxima bem mais de obras como ‘Ecos do Além’, filme de 1999 e ‘Vozes do Além’, de 2004, que também exploram o chamado “fenômeno de voz eletrônica”, ou seja, quando o mundo dos mortos se conecta com o dos vivos através de aparelhos que captam frequências de vozes humanas. Essa temática, por si só, já é sinistra e, quando bem aprofundada, é fácil provocar calafrios.

A direção e o roteiro

Se por um lado o roteiro é destemido e direto no seu objetivo, por outro, coloca muito à perder da metade para o final, especialmente quando se aprofunda na origem da tal maldição e do clichê de ter que “queimar bruxas”, algo datado, estereotipado e fantasioso demais dentro da proposta mais “realista” que estava sendo desenvolvida. As sutilezas são postas de lado e a narrativa cai nos clichês que tanto tenta fugir.

Até mesmo o trabalho sofisticado do diretor estreante Angel Gómez Hernández, que mostra que sabe subverter expectativas, se dissolve aos poucos e se encerra mais do mesmo. Essa murchada na trama, ainda que do meio para o fim, acaba sendo o gosto amargo que fica e ofusca os bons momentos iniciais. Porém, alguns detalhes chamam atenção para o cuidado de Hernández, como o primeiro e o último plano serem interligados metaforicamente e também a trilha sonora épica, que cresce de forma constante e se intensifica no desfecho.

Conclusão

Com momentos de gelar a espinha, ‘Vozes’ tem qualidades inegáveis e subverte expectativas através de um roteiro destemido em sacrificar seus personagens, porém, não deixa de ser o enredo feijão com arroz que já estamos cansados de ver e que não se sai tão bem assim em fugir dos clichês do gênero. Embora não seja original, é bem executado e compensa com sustos sólidos e uma atmosfera sombria e trágica que o mantém acima da média entre as produções recentes da Netflix.

Nota: 7

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