Ressignificar histórias e dar espaço para protagonismo negro é, sem dúvida, uma das dádivas que os movimentos de inclusão em Hollywood agregaram ao cinema nos últimos anos. Assim como o novo ‘Convenção das Bruxas’, que transforma uma história majoritariamente branca em um conto rico em representatividade, ‘Uma Invenção de Natal’ (Jingle Jangle: A Christmas Journey), nova aposta grandiosa da Netflix para a temporada natalina, acerta em colocar personagens negros em um contexto de fantasia de época em que pouco estivessem e lida com isso com naturalidade e muito carinho. Enquanto os personagens esbanjam carisma e afeição, o roteiro do musical acaba, em partes, sobrecarregado ao tentar ser tudo ao mesmo tempo: um filme natalino, um musical estilo Disney e uma animação 3D. Menos é mais e, nesse caso, mais acaba sendo demais. Será?
A trama e o elenco
O design de produção é grandioso ao criar um ambiente que mescla o mundo natalino exagerado de ‘O Grinch’, com filmes de fantasia do Tim Burton. Essa ambientação é pura nostalgia e mergulha bem fundo de cabeça em elementos que nos transportam para clássicos desse subgênero, ao mesmo tempo em que explora a jornada de um gênio fabricante de brinquedos, cujo precioso livro de ideias acaba sendo roubado por seu jovem aprendiz e, com isso, entra em depressão por muitos anos, até que sua neta, Journey (vivida pela fofa e carismática Madalen Mills) resgata dentro de si o espírito do natal e o coloca de volta nesse universo caramelizado e pulverizado de doçura, enquanto busca encontrar o verdadeiro significado do amor e do perdão. Ou seja, mais natalino que isso, impossível!
Com grande elenco, Forest Whitaker (O Último Rei da Escócia) vive o fabricante em sua fase adulta e, assim como o restante do integrantes, esbanja bastante afeição pelo trabalho, em especial, por se tratar de um musical tradicional e que exige muito mais do que apenas uma interpretação superficial. Aqui, o ator canta, dança e parece estar se divertindo bastante. Nesse aspecto musical, o filme (inevitavelmente) cai na maldição da cantoria, ainda que encontre espaço para falas e desenvolvimento da história sem o uso das canções. Mesmo assim, certamente vai desanimar quem não gosta desse tipo de obra, já que as canções são sim espetáculos teatrais, porém, bem esquecíveis. As apresentações exageram na duração, mesmo com o magnetismo de atores como Keegan-Michael Key (O Rei Leão) em cena.
Aliás, vale destacar que Uma Invenção de Natal se trata de um filme infantil em sua essência mais pura, uma fantasia natalina desenvolvida para atingir esse público mais novo e que, além de algumas nuances interessantes sobre princesas que não precisam ser salvas e independência feminina, tem pouco a agradar os adultos em seu tom. A mistura de live-action com animação, por sua vez, impressiona bem mais que o musical em si, já que os efeitos digitais são de altíssima qualidade. A narrativa astuta, os cenários coloridos e a direção e arte enchem os olhos, especialmente das crianças, por conta de sua vivacidade e energia, mantidas sempre em alta pela direção que transforma a obra em um parque temático.
Porém, em sua estrutura de roteiro, segue o feijão com arroz básico desse tipo de obra e caminha de forma bem previsível do começo ao fim, com direito a uma barriga maçante no meio, momento esse quando as crianças vão deixar o filme passando na TV e vão correr pela casa ou brincar. É demasiadamente muita informação para ser absorvida, isso é fato. O excesso de personagens também pode confundir a cabeça do espectador e ter uma queda significante de ritmo em certos pontos que o roteiro utiliza para desenvolver a relação dos personagens e suas tramas paralelas menores.
Direção
Enquanto a produção do cantor John Legend (La La Land) desenvolve o ambiente musical e as performances, o trabalho do dramaturgo David E. Talbert (Voando Para o Amor) é de criar um ritmo divertido e uma narrativa criativa. Nesse ponto, o diretor até consegue segurar a premissa e envolver o espectador, especialmente com cenas de ação alegres, malucas e canções coreografadas que exploram todos os detalhes dos cenários megalomaníacos, porém, o equilíbrio entre o drama emocional e a comédia inocente não está em sintonia e isso é a maior baixa do longa.
Não há sutilezas na trama e todos os sentimentos explorados em Uma Invenção de Natal são perfeitamente guiados e planejados um a um, sem que sobre espaço para surpresas ou interpretações mais aprofundadas. Ainda assim, mesmo com o uso excessivo de elementos como dança, música, animação e drama, e com essa perda de equilíbrio durante a jornada, dificilmente desagradará seu público-alvo, que se mantém imerso nas profundezas multicoloridas da história.
Conclusão
Nada é discreto em ‘Uma Invenção de Natal’ e o musical infantil explora o espírito natalino de forma moderna, imaginativa, inovadora e bastante divertida ao misturar animação com live-action. Certamente, um clássico de fim de ano nasce e sua representatividade abre espaço para que o protagonismo negro seja ainda mais presente em todos os tipos de histórias. Para quem gosta do sabor adocicado do Natal e do clima de conto de fadas, esse musical é um prato cheinho de uvas passas para encerrar um ano tão difícil com aquele otimismo que só esse tipo de obra pode oferecer.