É um fato que 2020 não têm sido um bom ano para o cinema e, especialmente, para o gênero terror. Com poucos lançamentos e a grande maioria sem qualidade, os filmes estão cada vez mais despencando no abismo da falta de rumo. Lacunas essas que o gênero entra de tempos e tempos e necessita de uma grande obra, inteligente e inovadora, para revigorar a fórmula que já estamos exaustos de assistir. E, certamente, terror baseado em fatos verídicos é algo que chama bastante a atenção do público e também faz com que ‘O 3º Andar: Terror na Rua Malasana’ (Malasaña 32), filme espanhol que está chegando aos cinemas agora, conquiste um espaço entre gigantes, em parte, por ser um drama familiar sobrenatural aos moldes de ‘Invocação do Mal’, e em outras, por ter pouca concorrência, obviamente. Um fato é certo: surpreendentemente tem qualidades válidas, ainda que não traga nenhuma novidade ao que já estamos acostumados a ver.
A trama e o elenco
O longa guarda seu ponto forte em dois bons aspectos: na criação de atmosfera de suspense, bem trabalhada pela direção, e na ambientação da década de 1970, em uma Espanha digna de contos de horror. Na trama, que desenrola a típica história de “mansão mal assombrada”, uma família de origem humilde investe tudo que possui na compra de um apartamento que estava em promoção. Porém, como podemos esperar, o lugar não estava barato por bondade dos vendedores, mas sim, pelo fato de ali existir uma entidade sinistra que assombra os moradores. Sem grandes introduções ou explicações mais aprofundadas, a história segue essa família e seus mais terríveis pesadelos no terceiro andar do prédio.
Apesar do fato de chutarmos uma árvore e cair outras dezenas de filmes semelhantes, este possui uma energia interessante e, surpreendentemente, se perde pouco pelo caminho. O começo é promissor e a trama desenvolve uma relação intrigante entre o lugar, escuro e vazio, com as expectativas solares dos novos moradores e como essa “vibe feliz” começa a desaparecer conforme são aterrorizados por uma mulher sinistra, que habita o lugar muito antes de qualquer um.
O design de produção é ótimo e as criaturas (interpretadas pelo icônico Javier Botet, de diversos filmes, incluindo ‘REC’), lembram bastante o trabalho de maquiagem sombrio de filmes do cineasta Guillermo del Toro (A Colina Escarlate, O Labirinto do Fauno). Toda a ambientação também contribui positivamente para que os sustos, feitos com uso excessivo de jump scares, tenham realmente algum impacto. A fotografia terrosa e a trilha intensa criam essa atmosfera de medo perfeita, que envolve o espectador. Bem, pelo menos durante seu começo misterioso.
Com o visual obscuro sendo um verdadeiro banquete aos olhos para quem ama filmes de terror, a narrativa começa e descambar quando o drama familiar dá lugar à sustos forçados e, na sua grande maioria, mal desenvolvidos, especialmente do meio para o final. A sensação é de que toda a criatividade que a produção teve para desenvolver as relações humanas entre os personagens vão por água abaixo quando o roteiro percebe que é hora de surtar e assustar sem muitos critérios. Já no elenco, por sua vez, a jovem Begoña Vargas (Alto Mar) é a que possui melhor desempenho.
A direção e o roteiro
O trabalho de Albert Pintó (Matando Deus) na direção é interessante e visivelmente perceptível como tenta dar um ar sofisticado para algumas sequências estilizadas, como James Wan costuma fazer e que tem influenciado inúmeros realizadores, incluindo, inclusive, o cinema de horror espanhol, sempre muito rico em narrativas horripilantes. No entanto, enquanto trabalha detalhadamente o ambiente de horror e constrói sustos a cada dois minutos de projeção, peca ao fazer um desfecho corrido, confuso e desconjuntado, com uma reviravolta que não surpreende tanto quanto deveria e que merecia mais tempo para ser explicada.
Conclusão
Dessa maneira, ‘O 3º Andar: Terror na Rua Malasana’ tem a assombrosa essência do cinema de horror espanhol e até constrói muito bem sua atmosfera de suspense, porém, se perde na ambição de querer ser uma versão espanhola (bem menos sofisticada!) de ‘Invocação do Mal’. Ainda assim, mesmo com uma premissa clichê e elementos genéricos do gênero, ao menos tem alguns momentos de terror genuínos, que são de gelar os ossos.