Crítica | A Escolhida – Terror com Janelle Monáe tem o melhor plot twist desde ‘A Vila’

Em épocas como essa, com o mundo sendo dilacerado por ordens de líderes conservadores e perversos em sua essência, como Trump, ‘A Escolhida’ (Antebellum) ganha um significado mais ousado e penetrante. O terror, que estava programado para chegar aos cinemas no começo do ano, antes da pandemia, está tendo seu lançamento digital essa semana no Brasil e chama atenção por conta de sua narrativa envolvente e atuações impecáveis, enquanto explora uma trama intrigante e misteriosa, vendida, em seu material promocional, como algo relacionado com viagens no tempo. Sem estragar surpresas fundamentais (essa critica é sem spoilers!), o terror racial atravessa as portas abertas pelo cinema de Jordan Peele e carrega consigo uma mensagem importante, ainda que feita de forma violenta e gráfica em excesso.

A trama e o elenco

A trama de A Escolhida acompanha a rotina de Veronica (Janelle Monáe), uma autora feminista bem sucedida que se encontra presa em dois diferentes períodos: Os dias atuais e o “Antebellum”, a Era das plantações escravas no sul conservador dos EUA. Imersa nesta aterrorizante realidade, ela deve descobrir o mistério por trás desses acontecimentos e fugir, antes que seja tarde demais. Com essa divisão em dois momentos da história, o roteiro estabelece uma relação interessante com o racismo descarado do passado sombrio da humanidade e o velado de hoje em dia, provocando o espectador a refletir sobre o que, de fato, ainda precisa mudar para que esse tipo de violência cruel deixe de ser rotina na vida de pessoas negras em todas as partes do planeta.

A atriz e cantora Janelle Monáe brilha como nunca antes e entrega uma personagem carregada de sentimentos, ainda que, momentaneamente, engessada no começo. Ela carrega o filme nas costas com bastante carisma e emoção e, sem dúvida, vive uma final girl poderosa, enquanto o elenco coadjuvante preenche as lacunas da trama com um pouco de humor e momentos de angústia, especialmente pela forma como a direção expõe, sem censura alguma, a violência que pessoas negras sofriam nessas fazendas de escravos. É gráfico e pesado, então recomendo assistir com cautela pois desperta gatilhos, aliás, talvez nessa exigência de ser extremo e chocar o espectador, o filme enfraquece sua missão e desperdiça a oportunidade de, assim como ‘Corra!’, criar um horror mais psicológico e denso do que o tradicional. Fora isso, destaque também para Gabourey Sidibe (American Horror Story), cuja personagem serve para aliviar a tensão e, algumas vezes, funciona.

A direção

Acima de qualquer outra qualidade que A Escolhida possa se destacar, está a direção da dupla Gerard Bush e Christopher Renz, que esbanja sofisticação desde seu primeiro plano: uma sequência impecável e brilhante que passeia pela fazenda dos escravos e, em poucos minutos, toda a ambientação do filme, assim como seu tom sombrio e violento e seus personagens, são apresentados com bastante maestria. A perfeição se estende por toda a projeção, assim como a trilha intensa e gradativa e a montagem, que auxilia muito bem essa construção de plot twist que a trama antecipa por bastante tempo.

A tal grande reviravolta, no melhor estilo M. Night Shyamalan, é ótima e pega o espectador totalmente de surpresa, especialmente quem está assistindo sem saber muitas informações e/ou não viu o material de divulgação. Porém, vale ressaltar que esse momento acaba demorando demais para chegar e sua espera cansa. Quando o clímax finalmente move a narrativa para outro rumo, um ainda mais sinistro, o passado e o presente se colidem como em um episódio perfeito de ‘Lovecraft Country’. Nesse ponto da trama, percebe-se o quão inteligente o roteiro é que, com alguns ajustes no ritmo e na forma como decide mostrar o sofrimento negro, seria facilmente o melhor terror desse ano.

Conclusão

Com isso, ‘A Escolhida’ é um terror racial audacioso, atraente em sua trama misteriosa e tecnicamente impressionante. Ainda assim, para o momento de mudanças que estamos vivendo, no lugar de fazer uma reflexão poderosa sobre nossos atos racistas contra a comunidade negra, peca por decidir impactar através da violência extrema e mal gosto em prol de passar uma mensagem antirracista. Se ajustes fossem feitos e o longa tivesse sido lançado em plataformas como a Netflix, sem dúvida seu sucesso teria sido estrondoso. Mesmo com falhas na estrutura, é facilmente um dos filmes de gênero do ano, ao lado de obras como O Que Ficou Para Trás e O Homem Invisível, que mais tem algo a dizer além de apenas assustar.

O longa foi lançado para compra e aluguel digital no Google PlayApple TV Looke. Os valores vão de R$11,90 até R$59,99, variando entre cada plataforma e forma de aquisição. 

Nota: 8

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