Crítica | O Fim do Mundo – Recorte de uma dura realidade que nos faz refletir

Histórias nascem de onde menos esperamos e servem para retratar ou recortar realidades às vezes distantes de nós. O cinema, de todas as artes, imerge o espectador em quase duas horas da vida alheia, de mundos que não conhecemos e de emoções que não sabíamos que poderíamos ter. O exercício de empatia é fundamental para esse mergulho ser satisfatório ou minimamente compreensível. Uma vez que abraçamos a trama, seus personagens e o intuito da direção, mais aquela jornada nos consome e mais reflexiva ela será. Esse exercício é necessário em ‘O Fim do Mundo’, drama presente no 8º Panorama Digital de Cinema Suíço, dirigido pelo suíço de origem portuguesa Basil da Cunha (Até Ver a Luz), que vem desenvolvendo em sua filmografia um cinema documental que explora a dura realidade de comunidades marginalizadas, obras que dialogam bastante com vertentes excelentes do cinema brasileiro e, por conta disso, acabam nos atingindo mais fortemente, exatamente por essa aproximação estética envolvente.

A trama e o elenco

Em ‘O Fim do Mundo’, seguimos o ponto de vista do jovem Spira (Michel David Pires Spencer), de 18 anos, que retorna para sua residência simples, em uma favela de Lisboa, após passar um período no reformatório. Com seu retorno, dramas começam a se desenvolver no lugar e o menino percebe que muita coisa mudou por ali desde sua ida. A constante luta violenta pelo domínio do tráfico local se torna um obstáculo em seu caminho quando precisa decidir se quer ser feliz e seguir seus sonhos ou se render à vida bandida local. Esse dilema é o que constrói a jornada do protagonista pela história e se torna extremamente rica por apresentar nuances. Spira é violento e cruel, mas amoroso e doce, ele é fruto de u;m meio problemático que se estende muito além de sua vida e o olhar sensível do diretor Basil da Cunha aborda temas como desigualdade, falta de oportunidade e ambição com bastante eficiência e cuidado para não cair em seus próprios estereótipos.

Enquanto acompanhamos a jornada de revolta de Spira, sua paixão crescente por Iara (Lara Cristina Cardoso) e a amizade de seu grupo de amigos rebeldes, o teor de violência  e perigo no lugar se intensifica e a sensação de que algo muito ruim vai acontecer domina o espectador. Essa ausência de paz e medo constante, comum nessas comunidades, é a atmosfera mais interessante que o drama pode agregar. Planos longos, diálogos naturais, quase improvisados, uso de não-atores e o tom observador da direção contribuem para tornar aquele ambiente ainda mais realista e possível. Além disso, a parte técnica também é simples, mas eficiente na construção de ambientação. A fotografia tem algumas cores noturnas, mas boa parte é feita com luz natural e a trilha feita com órgão de igreja, que agrega uma sensação fúnebre e triste em certos pontos. Ou seja, ainda que ficção, o drama é tão verídico, que os personagens ficam com a gente após assistir. Aliás, Alexandre Da Costa Fonseca é um dos jovens em destaque no grupo de amigos que mais diverte e tem carisma, quase um alívio cômico sem ser cômico proposital.

Intensidade emocional

Enquanto o medo e a sensação de perigo crescem ao redor do protagonista, o roteiro acaba dando voltas demais e demorando para alcançar sua intensidade emocional. As longas tomadas, ainda que feitas para expressar realismo, também são cansativas e a trama demora para engatar o acelerador. Há bastante emoção no desfecho, especialmente com a quebra da 4ª parede em uma longa e profunda cena de velório, mas, até chegar nesse ponto, diversas cenas poderiam ser mais emocionais e mais envolventes do que, de fato, são.

Como o protagonista também é uma espécie de “vilão” e suas atitudes são contestáveis, ainda que tenhamos empatia por sua vida complexa e difícil, a falta de emoção em certos pontos acaba não ajudando nessa aproximação emocional com o personagem e isso sempre é um grande problema. Se pegarmos filmes como ‘Cafarnaum’ e ‘A Ciambra’, dramas absolutamente imersivos e que trabalham muito bem a realidade de um povo, é possível ver como essas duas obras sabem desenvolver muito bem a empatia e carisma de seus protagonistas.

Conclusão

Além de ‘O Fim do Mundo’ fazer um recorte reflexivo e sofisticado de uma realidade rica em histórias e personagens humanizados, ainda reafirma o talento narrativo de Basil da Cunha e sua sensibilidade em tratar temas complexos de uma forma imersiva e didática. Uma obra realmente rica em reflexões, que só peca em demorar para dar a devida emoção aos seus personagens. Ainda assim, mesmo com ritmo lento, O Fim do Mundo é um filme que fica com você por algum tempo após assistir e essa conquista não é para muitos.  

Sobre o Festival:

PANORAMA DIGITAL DO CINEMA SUÍÇO chega à sua 8ª edição, a primeira on-line, com muitas novidades em 2020. De 27 de agosto a 6 de setembro, o evento, que busca aproximar brasileiros da produção cinematográfica suíça, apresenta 14 filmes e dois programas de curtas, que serão exibidos gratuitamente na plataforma Sesc Digital. O festival é uma realização do Consulado da Suíça em São Paulo e do Sesc São Paulo, em parceria com a agência de cinema SWISS FILMS.

8º Panorama Digital de Cinema Suíço – Leia a crítica de O Vento Muda!

A programação completa está na página do Facebook do Festival, que você pode conferir clicando aqui.

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